XXXIII - Uma vida pela frente

12 3 9
                                    


O segundo semestre começava em meados de janeiro, depois de um mês de férias.

Os alunos regressaram ao Instituto para o Ensino e as Ciências Castle of Glass, no entusiasmo e alegria próprios da juventude. Vinham com histórias novas sobre as festas de dezembro, o Natal e os presentes recebidos, o final do ano e os exageros típicos da celebração. Mas nenhum deles tinha uma história mais especial do que a dos irmãos Park, que era ainda partilhada pela Anna Hillinger. Desde a reversão que não tinham estado com ela. A Anna não os procurara, provavelmente percebera que eles precisavam de espaço para se adaptarem, e eles também não tinham ido ter com ela. Mike sentia o que sabia agora tratar-se de saudades. Ela fizera-lhe falta. Ao se apear do autocarro escolar que o deixava, com os irmãos e outros estudantes, no passeio que ficava em frente à escola, tinha o coração aos saltos e perscrutava os rostos de todos à espera de a encontrar.

Ajeitou a mochila no ombro direito, compôs a capa nas costas, ajustando as pontas para que não ficassem a arrastar pelo chão. Voltara a vestir a sua capa. As lembranças associadas à peça de roupa esbatiam-se, tornavam-se esmaecidas e confusas, mas ele reconhecia, no novo perfume das suas fibras, a necessidade de a preservar como um símbolo de alguma coisa que fora muito importante e que agora era uma parte de si mesmo, indelével, da qual nunca poderia abdicar. Brad e Rob tentaram dissuadi-lo de levar a capa, atrairia novamente as atenções, embora para o segundo semestre duvidavam que surgisse uma ameaça semelhante ao valentão Johnny. Por fim, usaram o argumento de que ele iria envergonhar os irmãos Park. Mike respondeu-lhes, simplesmente:

– É a tradição. Tenho de usar a capa no primeiro dia de aulas.

Brad suspirou, derrotado.

– Prometo que nunca mais volto a usar a capa – completou Mike. – Começa a deixar de fazer sentido... Mas ainda faz sentido, percebem? E quero ter a certeza de que usei a capa quando o devia ter feito.

– Sim, nós compreendemos – disse Rob e deu uma cotovelada em Brad, que arrebitou e deixou de parecer contrariado com aquela escolha do irmão mais velho.

Em termos de idades, acontecia que Mike era mesmo o mais velho dos três irmãos. Iria fazer dezassete anos em fevereiro, duas semanas depois de Rob fazer os dezasseis. O aniversário de Brad acontecia só em dezembro. Era o que se lia nas suas certidões de nascimento que se arquivavam numa pasta com documentos oficiais da família, guardada num armário muito solene da sala da sua casa.

Mike percebia os olhares dos outros estudantes, os risinhos e as zombarias, mas não se deixou afetar. Até se achou muito importante por ser o alvo da atenção deles, que não deviam ficar assim tão espantados pois a capa já tinha aparecido na escola antes. Tinham memória curta ou tinham falta de assunto. Decidiu-se a ignorá-los com a vaidade que ainda lhe ficara de quando era um vampiro. Havia hábitos que custavam a desaparecer... se bem que ele, ou qualquer um dos irmãos, mantinham algumas características anteriores, para não sentirem o desamparo de cortarem totalmente com a sua vida prévia que tivera os seus momentos interessantes.

À medida que avançava, fixou a placa com o nome da escola. Castle of Glass. Castelo de vidro. O medo primário de estar exposto a um mundo cruel que não conseguiria combater totalmente, por ter ficado desprovido das suas armas afiadas e das suas habilidades incomuns, queimava-o por dentro. Mas ele combateu-o com determinação. Cerrou os dentes. Não iria deixar-se vencer. Para mais, não estava sozinho na empresa. Virou o pescoço da esquerda para a direita. Brad e Rob acompanhavam-no e seguiam tão rígidos, num passo tão pouco natural, que Mike percebeu que eles tinham o mesmo medo dentro deles.

Deu um encosto de ombro em cada um. Rob desequilibrou-se ligeiramente, mas voltou logo a acertar o passo. Brad sorriu-lhe, numa expressão que tinha qualquer coisa de careta grotesca.

Os Irmãos ParkOnde histórias criam vida. Descubra agora