Mike endireitou as costas, tornou-se rígido. Aguçou os sentidos, adotando o modo predatório de quando costumava ir caçar animais para aliviar os seus instintos. Era um vampiro domesticado e relativamente pacífico naquela fase, mas conservava ainda, num subnível da sua existência, as características dos da sua espécie. Para não se descontrolar e retomar os modos sanguinários e assassinos, ia para caçadas de vez em quando em bosques e florestas. Só matava uma vez, geralmente animais que ele sabia estarem mais fracos e envelhecidos. Satisfazia-se com essa única morte. Fazia uma pequena homenagem ao bicho, utilizava uma pequena porção do sangue para se acalmar e verificava, com orgulho, que era um vampiro perfeitamente civilizado.
Dentro do Music and Chips não iria caçar ou matar ninguém, embora a vontade, como uma tentação perniciosa, lhe tivesse sido injetada nos seus nervos. A sua sensibilidade estava ao rubro, bastante acesa, pronta para sobrepujá-lo. Se ele se soltasse, se ele concedesse espaço aos seus desejos, haveria estragos.
Cruzou brevemente o olhar com Brad e viu no irmão o receio de que a cena se transformasse no caos que pressentia. Rob estava de olhos vidrados, tinha acabado de entrar em transe. Mike apertou os lábios, as suas narinas dilataram a inventar que tinha respirado fundo. Foi para lançar um aviso telepaticamente, mas perdeu a oportunidade. O Johnny surgiu à sua frente e a sua sombra, o calor que emanava do seu corpo grande, o cheio a suor disfarçado com desodorizante, o caldeirão desordenado de hormonas, toda uma série de sensações que o agrediam, fez Mike ficar ligeiramente enjoado.
O brutamontes inclinou-se para cima dele e cuspiu as palavras:
– Então, inseto? Estou a falar contigo!
Gotículas de saliva salpicaram-lhe a testa. Mike nem pestanejou. Bloqueou o sentido do tato e tornou a pele tão insensível como uma carapaça dura para não reagir de uma forma desproporcional aos insultos e às provocações. Apetecia-lhe, claro que sim, agarrar no brutamontes pelo pescoço, levantá-lo do chão, apertar-lhe a garganta, impedi-lo de respirar. Conseguia cheirar o perfume doce do sangue do outro a instigá-lo a perder as estribeiras, mas travava-se e adorava essa luta interior com a parte mais selvagem de si. Por fora permanecia muito calmo. Anormalmente calmo.
– Não é preciso falares tão alto, estou a ouvir-te perfeitamente – disse Mike.
O Johnny ficou mais irritado com a sua petulância.
– Ah, estás a querer brincar comigo? Achas que tens graça? Não tens graça nenhuma, inseto! Não te encomendei a apresentação de comediante, por isso podes parar com as piadinhas.
– Tenho graça? Isso é uma novidade. Nunca ninguém me disse isso, que sou um tipo engraçado.
– Estás a esticar-te.
– Estou?
– O que fazes aqui, inseto? Responde de uma vez ou enfio-te um murro nos queixos.
– Aqui dentro? É preciso descaramento.
– Faço o que eu quiser aqui dentro, inseto!
Mike contraiu um pouco as pálpebras. Então, o feudo do brutamontes não se cingia apenas à escola, espalhava-se também pelos lugares que os estudantes frequentavam fora das aulas, numa extensão do seu poder tosco de ditador. Esse detalhe era importante conhecer. Respondeu, mantendo o mesmo tom:
– Estou aqui para beber um batido com os meus irmãos. Algum problema?
A gargalhada do Johnny trovejou por cima da música que tocava na jukebox. Anna e as suas amigas abandonavam a pista de dança discretamente, e passavam devagar por detrás do brutamontes. Mike percebeu o receio dela, misturado com embaraço e compaixão. Ela queria intervir a seu favor, mas estava com medo da reação do Johnny. Por outro lado, não queria agir sozinha e fazer figura de idiota diante dos seus colegas que estavam, naquele preciso momento, dentro da cafetaria e que assistiam calados à cena.
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Os Irmãos Park
FantasyTrês irmãos adolescentes mudam constantemente de cidade para proteger o seu segredo - eles são dois vampiros e um feiticeiro. Apesar do seu estatuto de criaturas sobrenaturais, o trio sente a necessidade de mostrar que são ainda rapazes normais, igu...