XXXII - Férias e descanso

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A pausa de inverno, também chamada de férias de Natal, começou com um enorme nevão. A casa ficou subitamente gelada e desconfortável. O vento passava por frinchas que os irmãos Park nem sabiam que existiam, as correntes de ar assobiavam terrivelmente por corredores e quartos, e desconheciam completamente a parte prática de aquecerem um espaço ou de se aquecerem a si mesmos. À exceção do átrio e do pequeno quarto no piso de cima, não havia um lugar decente onde pudessem passar os dias que se tornaram excessivamente longos. Encolhiam-se uns contra os outros sentados na cama, com as pernas puxadas de encontro ao corpo, e assim ficavam durante longas horas a suportar temperaturas baixas, a falta de comida e a sua indolência.

As dores da reversão para rapazes normais estavam a ser insuportáveis, mas eles não se punham com queixumes velados, nem com comentários enraivecidos, nem com dissertações fantasiosas. Fora a sua escolha e eles aceitavam aquela decisão, na maioria das vezes, com uma apatia nascida da sua inaptidão para lidarem com os novos desafios.

Depois de Mike, Brad foi revertido. Rob ficou para o fim porque eles temiam ficar sem os seus feitiços que serviram para suprir algumas faltas durante as primeiras horas, como um sono decente e comida para mitigarem as fomes avassaladoras que passaram a sentir. Rob sairia prejudicado, mas ele não se importou com o sacrifício. Fez-se de forte e disse que não lhe iria fazer tanta impressão, já que era um feiticeiro. Os vampiros seriam mais sensíveis.

O processo era simples. Dois irmãos sentavam-se de frente um para o outro, davam as mãos, fechavam os olhos. Qualquer coisa sucedia – podia ser uma ligação cósmica ou uma benzedura invisível. Eles perdiam os sentidos durante uma viagem esotérica, para despertarem como rapazes normais. A ressaca era terrível, mas durava pouco tempo. Bastava dormir duas, três horas e despertavam como novos.

E estavam mesmo renovados, no sentido mais literal do termo.

Apreciavam a mudança, celebravam a sua nova condição com alegria e espanto, teciam rasgados elogios às novas sensações e às novas capacidades. Agora tinham de refazer tudo e agradava-lhes a possibilidade de perseguirem novos objetivos e a simplicidade de terem sonhos.

Tinham todos ficado feios, comprovavam a contemplar-se mutuamente e a apontarem as características que lhes saltavam à vista, porque continuavam sem terem espelhos em casa e a intempérie aconselhava-os a não cometeram a imprudência de irem às compras. Riam-se muito, a verificarem os pequenos defeitos. Sinais, rugas, manchas, os pelos da barba rala que despontava e que lhes escurecia o queixo e o lábio superior. A diversão era de pouca dura, todavia. Desatava a discussão do que fazer a seguir com o que eram agora, que começou a acumular muitas falhas que eles se mostravam incapazes de corrigir e de colmatar.

Zangavam-se, tentavam fazer uma cena, mas esbarravam recorrentemente no facto de estarem sozinhos. Não tinham pais ou tutores, uma espécie de família por perto, que os pudessem orientar e aconselhar. Deixavam-se ficar moles, de olhos vidrados fixos em nenhures, com o cérebro embotado e sem nenhuma ideia produtiva passada a euforia.

Até que Brad lembrou-se de que deviam pedir ajuda ao mordomo. Novo debate sobre se era a pessoa indicada para lhes resolver a crise. Mas à falta de uma proposta melhor, avançaram. E como contactá-lo se eles já não podiam usar os seus poderes fantásticos? Outra altercação. Eles passaram a discutir mais e a se irritarem mais, mas só se apercebiam dos exageros da sua conduta quando caía um silêncio súbito que tanto acusava, como envergonhava.

Brad insistiu. O mordomo era o único que os podia ajudar. Era o seu tutor, professor, pai, tio, padrinho, era o que tinham de mais próximo a uma figura de autoridade paterna. Foi até ao armário do átrio. Da mochila do Mike recuperou o telemóvel e trouxe-o para o quarto. As suas mãos tremiam. O número do mordomo estaria ali, de certeza. A cara de Rob iluminou-se de esperança, Mike aceitou correr o risco. Não tinham nada a perder.

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