- IV - Interferência

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Lino caminhava de volta à sua casa após ter ido sacar dinheiro em um caixa eletrônico. A luz azulada preenchia o ambiente. Ele estava sentindo que pensamentos novos começavam a chegar em sua mente. Caminhava enquanto trabalhava suas ideias com um fluxo incomum de pensamentos, como se tivesse em sua cabeça uma antena que se ergueu para captar aqueles sinais.

Aquela era uma via movimentada, de forma que havia um fluxo moderado de pedestres que se dirigiam à estação do metrô, ou que transitavam pelas lojas do comércio que haviam ali. Alguns metros à frente dele, duas meninas eram figuras comuns que Lino costumava avistar naquele trajeto na volta para casa. Já fazia algum tempo que ele não as via, pois depois que tirou a habilitação, deixou de voltar de metrô para casa. A mais alta das duas era da altura de Lino e possuía cabelo moreno, a outra era loira e pouco mais baixa.

Eles dobraram à esquerda quando chegaram na rua onde as duas moravam. Elas eram vizinhas, moravam uma de cada lado da rua, se despediram com dois beijos no rosto. A loira entrou em sua casa na mesma calçada em que estavam, enquanto a outra atravessou a rua. Um V de pássaros voava harmonicamente no ar seguindo na direção contrária a qual Lino caminhava.

Outras pessoas transitavam por ali, mas o movimento de pedestres não era intenso como na rua principal. A menina morena, então, estacou no meio da travessia. Lino viu pela janela da casa, onde a menina loira morava, uma cena curiosa: ela estava parada em meio ao movimento de retirar a mochila das costas, de frente para uma mulher um pouco mais velha que ela, embora não fosse tão perceptível a diferença de idade. Lino imaginou ser a mãe, mas facilmente a mulher se passaria por irmã mais velha.

Ele parou de andar ao perceber que as duas estavam petrificadas uma em frente à outra. Olhando com todo o tempo que tinha naquela realidade onde tudo se paralisou, viu um homem sentado no sofá, imóvel, olhando para a TV.

Ouviu o som da buzina de um carro que seguia na direção da moça morena, no mesmo sentido do aglomerado em desordem que fora há poucos segundos um V de pássaros no céu, e agora caíam todos na direção dele.

Ele pensou em correr na direção da garota para tirá-la do caminho do veículo que se aproximava desacelerando, mas com a buzina soando alta.

Sem entender nada, não teve tempo nem reação de salvar a menina quando o carro a golpeou e ela caiu na frente dele. O carro trepidou uma vez quando as rodas dianteiras passaram por cima dela, depois ouviu-se um som de osso sendo esmagado com um "PLÓFT". O carro subiu a calçada e só parou ao bater no poste do outro lado da rua. No chão estava a garota com seu cabelo sedoso e moreno misturado a uma massaroca encefálica que agora se espalhava no chão junto ao sangue vermelho-escuro que jorrava pela jugular, onde antes havia uma cabeça.

Lino olhou horrorizado a menina com a cabeça explodida, de barriga para baixo, braços e pernas largados tortamente. Ouviu um som de algo caindo mais adiante na rua. A noite já havia se estabelecido e o que ele pôde ver foi um pássaro-preto no chão, morto. Olhou para cima e entrou em pânico: uma chuva descontrolada de pássaros caiu diante dele, cada pássaro que caía chegava um metro mais perto. Ele caiu no chão e foi rastejando para trás quando algo perfurou sua perna.

O bico de um dos pássaros-pretos estava fincado na coxa dele. Pegou o bicho e jogou para longe. Sua calça jeans rasgada ficou manchada com o sangue que se espalhou por ela. Pressionou com a mão levantando-se em direção à calçada. Um carro passou por ele em baixa velocidade, mas ainda assim o assustou a ponto de ele cair novamente no chão. Sentiu dor. Os pássaros pararam de cair. Aparentemente o vento soprava uma brisa fresca, mas as pessoas que não foram afetadas sendo mortas ou atropeladas continuavam paralisadas. Alguns caíram no chão ao pararem a perna em meio ao movimento e ficarem sem sustentação.

Lino correu para a rua movimentada de onde havia vindo anteriormente. Haviam carros dentro de vitrines, corpos atropelados que não gritavam sua dor nem esboçavam nenhuma reação. Correu de um lado para o outro estonteado, começava a entrar em choque. Resolveu voltar para a rua onde viu a colega ser morta, quando chegou lá, passava pela janela da menina loira quando as pessoas dentro daquela casa voltaram a se movimentar. A mãe abriu os braços para abraçar a filha. A menina recebeu o abraço sem retribuir, estava de costas para ele, mas ele pôde ver ela se desvencilhar da mulher e mudar seu comportamento.

— ONDE EU ESTOU?!! — ela gritou. — QUEM É VOCÊ??

— Minha filha, sou eu. — a mãe falou sem entender.

Ele observava pela janela.

— Que mãe o quê! Eu não sei quem você é!

O homem acordou e saiu de dentro do carro que havia atropelado a colega de Lino.

— Meu deus! — O homem viu o que havia feito com ela.

Lino voltou sua atenção para dentro da casa. Queria ajudar a menina a se lembrar quem era, ele pensou que poderia acalmá-la e explicar que ali era sua casa e que a mulher era de fato sua mãe.

— Minha filha? — O homem levantou-se do sofá e foi em direção a ela.

— VOCÊ NÃO É! EU NÃO SEI QUEM SOU!!!

Ele voltou a andar apressado, pois percebeu que ficar ali ou entrar lá e tentar ajudar a menina que não reconhecia sua própria família poderia não ser a melhor coisa a se fazer. Correu, seu pescoço suava e seu desespero na incompreensão escorria por todo o seu corpo. O ferimento na perna doía.

A menina e a mãe saíram de dentro de casa, ele viu ao olhar para trás.

— NÃÃÃÃOOOOO!!!!!!!!!

Lino continuou olhando. Ela gritou ao ver sua amiga morta no meio da rua.

— MÃE!!?? — Ela se lembrou e abraçou sua mãe.

Ele viu pessoas correrem chegando na rua onde estava, elas também não entendiam o que havia acontecido. De repente, Lino piscou os olhos, e deu um passo adiante. Colocou a mão no bolso e se certificou de que o dinheiro que havia sacado estava com ele. Caminhou tranquilamente em direção a sua casa, sua única preocupação era não ser assaltado.

Olhou para trás.

Havia um carro parcialmente destruído chocado em um poste, que pena, espero que ninguém tenha se ferido. — Ele pensou sem se questionar.

Colocou a mão no bolso e retirou seu celular, um papel saiu junto do aparelho e ele o leu. Era um extrato com o valor sacado por ele, no horário do saque, estava o horário 19h36. Ele guardou o papel e olhou a hora no celular: 23h57.

Nem por um segundo ele se perguntou como havia passado tanto tempo desde que sacou o dinheiro e porque estaria caminhando tanto tempo se sua casa ficava a dois minutos do caixa eletrônico.

Abriu a porta contente por chegar em casa.Ligou a TV, o jornal dava notícias de esporte. O apresentador se despediu com um sorriso e encerrou o programa de forma natural. Nada o preocupava depois que já estava no conforto de sua casa ao fim de mais um dia tipicamente normal.

COMANDO SUPERIOR: A Ascensão de Drak NazarOnde histórias criam vida. Descubra agora