Capítulo 3

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Harley 

O dia estava sendo horrível. Eu acordei com a cerveja do copo do meu pai sendo despejada bem no meu rosto. Segundo ele, o que aconteceu foi:

— Desculpa, querida, eu derrubei.

Ele estava completamente bêbado, mas eu não tinha cabeça pra brigar com ele naquele momento. Eu só levantei e fui tomar banho, tentando ignorar o gosto do álcool na minha garganta. Só conseguia pensar em onde caralhos estava a minha mãe, pro filha da puta do marido dela estar acordando a filha com a porra de meio litro de cerveja.

Quando cheguei na escola, Jack estava pior do que nunca. Ele voltou com a mania irritante de se chamar de Coringa e ficar rindo pra literalmente qualquer coisa. Depois da descoberta, eu comecei a refletir sobre nosso relacionamento, e isso me fez perceber o quão babaca ele era. Eu tô puta pra caralho.

Mas a pior coisa aconteceu duas horas depois: descobri que zerei o último teste de biologia orgânica. Não foi minha culpa, a menos que madrugar bebendo um dia antes do teste tivesse causado a nota. 

Beleza, não me julguem. Eu sei que foi uma ideia de merda, ainda mais que eu não sou muito boa nessa matéria. Mas em minha defesa, eu precisava tirar a Ivy da minha cabeça, isso foi no dia que eu descobri sobre ela e minha sexualidade. Eu tava com muita merda na cabeça e não estava conseguindo estudar. Pensei em matar aula e fazer segunda chamada, mas tava com tanta ressaca que acabei indo. Lembro que vomitei nas plantas fora da janela da sala minutos antes do professor entrar e uma garota gritou:

— Porra, Quinzell!

Eu mandei dedo do meio enquanto me recuperava e me sentava na minha carteira. Uma voz linda e familiar chegou perto do meu ouvido e sussurrou, parecendo sorrir:

— Isso é ansiedade pra prova? Você não é tão ruim assim.

Olhei para o lado e, puta que pariu, a Ivy tava sorrindo pra mim.

Demorei alguns segundos pra raciocinar sua pergunta e respondi, gaguejando:

— N-não.

— Então o que houve?

— Passei a noite bebendo.

Porra, Harley, cala a boca.

— E por quê?

Porque você é a mulher mais perfeita que eu já vi.

— Eu não sei.

Eu desviei o olhar, tentando não vomitar de novo, e ouvi sua risada gostosa enquanto se afastava. Mas não era uma risada maldosa, ela parecia me achar fofa ou algo assim. Mas eu não me deixei enganar, ela estava rindo porque me odiava, era isso. Isso fodeu com tudo mais ainda, tornando-se impossível pensar direito.

Isso tirou toda a concentração que eu já não tinha. As palavras começaram a se mexer e eu quase vomitei outra vez, bem em cima da prova. No final, entreguei tendo certeza que havia tirado menos que 2. Mas agora, tirar 2 era o que eu mais queria.

Sabe, nunca me importei com nota nenhuma. Mas esse zero bem redondo significava que eu estava de recuperação na matéria, e não poderia mais fazer parte das líderes de torcida, o único motivo de orgulho para os meus pais. Não que eu me importe com eles, mas a probabilidade de me venderem por seis garrafas de cerveja estava cada vez maior. 

Mas depois da aula de biologia anatômica, a qual eu tirei 10 no último teste, eu fui guardar meu material no armário, que ficava perto do ginásio e bem longe dos de todos os meus amigos, e ouvi alguém chorando. Parecia mais um acesso silencioso de raiva, então tomei muito cuidado enquanto caminhava em direção ao barulho.

Na real era uma mistura de choro com acesso silencioso de raiva, e vinha de uma garota alta com cabelo curto e mechas verdes. Sua primeira reação ao me ver me aproximar foi tentar parar de tremer, enxugar rapidamente as lágrimas e encostar metade do corpo na parede, numa tentativa de mostrar tranquilidade. Devo acrescentar que, obviamente, não funcionou.

— Harley. Não é o que você tá pensando.

— Isso no seu olho é um hematoma?

Como em todas as vezes que ela levou uma advertência ou suspensão.

No segundo em que eu disse isso, ela começou a chorar de novo e desviou o olhar. Minha genuína reação foi arregalar os olhos e verificar se não havia ninguém por perto. Claro, a segunda coisa foi porque eu sabia que ela não queria ser vista, então eu mostrei que me preocupava com isso.

A minha reação controlada foi me aproximar, observar com uma mistura de pena e desconforto a mulher mais perfeita do mundo chorar e perguntar, com um certo medo de falar uma grande bosta:

— O que aconteceu?

— Nada, estou bem – mas ela se engasgou enquanto tentava parar de chorar.

— Posso não ser formada em psicologia ainda, mas acho que chorar com um roxo no olho não é sinal de estar bem.

Ela respirou fundo e disse, ainda sem olhar pra mim:

— Sabe o que é se sentir sozinha no lugar que deveria ser seu lar?

— Sei o que é se sentir sozinha em qualquer lugar.

Ela olhou pra mim. Eu não sabia por que estava contando isso à Ivy, e aparentemente muito menos ela.

— Bem, então me entende mesmo?

— Hoje eu acordei com meio litro de cerveja sendo jogada na minha cara, porque meu pai tava bêbado. 

Por algum motivo, ela riu disso. Mas eu também comecei a rir, pra mostrar que ela não estava sozinha mesmo.

— Sabe o que é ser cobrada de tudo, e mesmo assim ser uma vergonha pra família?

— Não, mas sei como é ser a vergonha da família. – Eu me aproximei mais e encostei as costas na parede ao seu lado, enquanto ela fazia o mesmo. – Hoje eu tirei zero no teste de biologia orgânica, e isso pode me tirar das líderes de torcida, que é a única fonte de orgulho pra eles.

— Eu tirei seis no teste de biologia anatômica, e é o terceiro desse semestre.

Virei minha cabeça pra ela tão rápido que torci meu pescoço, Depois de gemer de dor e massagear minha nuca, eu disse:

— Mas isso não é ruim, a média é 6.

— Pro meu pai é ruim.

De repente, ambas se deram conta do que estava acontecendo. Estávamos confessando nossos maiores traumas uma para a outra, e há um dia ela me odiava. Eu franzi a testa e olhei pra ela, então descobri que ela fazia o mesmo.

— Não sabia que seu pai era assim com você, Ivy.

— Não sabia que seus pais eram assim com você, Quinzel.

O som do meu sobrenome em vez do meu nome doeu no fundo do meu peito, mas eu tentei não expressar isso.

— Isso morre aqui - ela disse, de repente assumindo uma expressão meio irritada meio desesperada, -, entendeu? Não conta pra ninguém.

Com todo o charme que tenho, eu disse sem nenhuma raiva:

— Ficou doida? Óbvio que não vou contar. Se alguém souber sobre o seu pai, vão saber sobre os meus também. Acha que sou burra ou algo assim? 

— Não, você tirou 10 em biologia anatômica.

Levantei as sobrancelhas.

— E você tirou 10 em biologia orgânica.

Ela levantou as sobrancelhas.

— Tirei. 

— E só tira 10, em todas as matérias. Você não precisa da aprovação do seu pai. e se ele te bater, é só bater de volta.

Ela sorriu do mesmo jeito que sorriu no dia do teste.

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