Entrevista

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Vi

Assim que eu parei a moto a mulher desceu e me entregou o capacete, eu suspirei levemente e coloquei o capacete no antebraço, ela me encarou, de uma forma mais séria do que o comum.

-O que eu tinha para falar com você era sobre a entrevista...Você não me disse se você vai...

-Sim...Pode marcar, eu vou estar lá, alguém além de mim vai? -Eu perguntei apertando um pouco o guidão.

-Você quer que alguém vá? -Ela ergueu as sobrancelhas enquanto me encarava, eu suspirei:

"Você seria bom"

-Tanto faz.

-Mas que resposta meia boca, se quiser eu vou, me avise se decidir, vou confirmar com a Corina e pedir pra ela ajustar os detalhes...-Ela pegou o celular e suspirou enquanto digitava algo. -Se a entrevista acontecer é às dez e você tem que estar no local às oito e meia, vou te enviar o endereço e você me avisa se quiser que eu te acompanhe.

Eu confirmei com a cabeça e ela suspirou, ela me disse um "Até mais" meio constrangida e saiu.

Desde que eu dormi com ela, meu olhar sobre ela se tornou mais intenso ainda, e com toda a certeza ela percebeu, eu não consigo deixar de reparar nela, ela me chama a atenção de uma forma bem diferente das outras mulheres...Eu me apaixonei...Que merda.

Meus olhos acompanharam a figura da mulher até ela entrar na casa e desaparecer da minha visão.

Eu apenas suspirei, peguei o celular e observei o endereço, eu joguei no Maps para ver o caminho que faria, no mesmo instante eu arregalei meus olhos, eu conheço essa estrada, muito bem, eu estudei formas de chegar lá, e só havia aquele caminho, e eu o evito desde que o acidente aconteceu.

"Mas que droga!"

Eu guardei o celular, neguei com a cabeça e dei partida na moto, eu dirigi até o cemitério da cidade, assim que parei a moto eu coloquei o capacete que estava no braço no guidão da moto, eu encarei a fachada do local e entrei nele, subi as escadas até ver as lápides e túmulos, o caminho de pedra era desregular, enquanto o jardim cercava cada túmulo com grama, as árvores eram grandes, cerejeiras enormes, as folhas que caiam banhavam o solo sob meus pés, e a grama parecia ainda mais bonita com a mescla do rosa das folhas.

  O vento gelado me preencheu com uma sensação de vazio, não costumava passar por lá, não era comum, mas, eu precisava pensar.

Meus pés me guiaram entre o local, eu parei em frente a lápide da minha antiga namorada, eu deixei um suspiro escapar e me sentei na beira de tijolos do túmulo, meus olhos correram pela paisagem, eu encarei o capacete nas minhas mãos e corri o dedo sobre ele, completamente arranhado e com partes sem tinta, tudo causado pelo acidente, eu encarei novamente a lápide.

-Eu...-Falei baixo, engoli a seco e dei de ombros levemente, parece patético pra mim falar sozinha, mas eu não poderia me abrir com tantos detalhes para ninguém, nem mesmo para a Sarah -Eu não acredito em nada, nem sei se posso me denominar Agnóstica...Ateu?...Mas...Eu nunca mais peguei aquela pista, se eu quiser fazer a entrevista hoje eu vou ter que pegar ela, e eu não tive coragem de vir aqui nos últimos tempos às vezes dói, e fazem anos...

-Muitos anos...-Eu franzi o cenho quando a voz grossa e ríspida atingiu meus ouvidos, encarei o homem que estava ali, o homem alto e negro de olhos curtos e pesados, eu desviei meu olhar, me levantei para ir embora e o policial deu um suspiro ascendendo o cigarro. -Não precisa ir, minha filha também foi importante pra você.

-Você me disse que a culpa foi minha.

-Disse...-Ele soltou a fumaça e se apoiou na bengala caminhando até o túmulo e se sentando. -Estava com raiva, precisava culpar alguém, você me prometeu que não procuraria mais a minha filha. -Ele se ajeitou e fitou o céu -Ela morreu e anos depois eu te vejo na TV, e toda aquela raiva voltou, mas eu pensei...-Ele tragou o cigarro e jogou a bituca no chão pisando nela. -Vou descobrir mais sobre isso...Eu consegui os dados que precisava, liguei para o motorista do caminhão...Ele lembra de você, e ele me contou detalhadamente como foi.

Purple effectOnde histórias criam vida. Descubra agora