Elvis

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Dei um gole na minha bebida, sentado num beco. A rua cheirava a lixo.

O sol começava a se pôr. Logo precisaria voltar pra casa. Minha cabeça doeu com essa ideia… ou com o álcool, não tinha certeza.

As pessoas que ainda tinham trabalho estavam voltando agora, quem não tinha, andava sem rumo pela casa ou sentava à beira da calçada e chorava. Homens em ternos elegantes, banqueiros ansiosos para tirar o que pudessem de quem nada tinha.

Precisava acabar a bebida antes de voltar pra casa. Meus pais ficariam furiosos por eu não ter trabalhado na fazenda do senhor Smith hoje, mas mais furiosos ainda se percebessem que eu havia ido há um bar subterrâneo.

Um homem precisa fazer certas coisas às vezes, como comprar bebida com traficantes agora que a venda era ilegal.

Meu pai diria que a venda era ilegal antes de eu começar a beber, que eu não devia ir até aqueles lugares. Praga normalmente me trazia garrafas nos dias em que não podia ir pessoalmente, mas isso foi antes de ele ser preso. Tive que encontrar um novo fornecedor, mas nenhum se compararia a Praga. Ele sempre trazia o melhor.

Terminei de beber e franzi a testa observando uma menina pedalar uma bicicleta cor-de-rosa. O aniversário de seis anos da minha irmã estava chegando.

Tecnicamente, Mary era minha prima, não minha irmã. Mas, meus tios haviam mandado ela morar conosco quando ela ainda era bebê porque não tinham dinheiro para cuidar dela. Na época, eu tinha uns dezenove anos, mas me acostumei a pensar nela como uma irmã.

Fiz careta, lembrei que quando voltasse para casa teria que aguentar meus tios também. O banco havia lhes tirado a casa, de forma que eles e os outros três filhos vieram morar conosco.

Não sou tão próximo dos meus outros primos como de Mary. Já era muito irritante ter que lidar com meus próprios irmãos mais velhos, mas nenhum deles tinha culpa.

Observei a bicicleta da garota mais um momento antes de me levantar.

Mary gostaria de uma bicicleta, decidi.

***

A casa era muito pequena, com goteiras. Dormíamos amontoados na maioria dos dias. Meu irmão mais velho, Albert Júnior, tinha se casado e morava com a esposa em outra cidade. Ele decidiu levar o nosso irmão mais novo, Arthur, para cuidar, minha mãe concordou.

O que deixava então eu, meus dois irmãos mais velhos: Louis e Joe. Se fossemos só nós e meus pais, a casa ainda seria apertada, mas viveríamos com algum conforto. Porém tínhamos também Mary e os irmãos dela: os gêmeos Andrew e Sam, então o mais novo, Herman.

Meus tios, Susan e Frederick e meus pais Albert Sênior e Pearl. Onze pessoas.

Meu pai e tio Frederick trabalhavam numa fábrica de gás. Meus irmãos e eu costumávamos trabalhar na fazenda do senhor Smith, um tanto distante de nossa casa. Ele não era rico, mas era velho, precisava de ajuda para cuidar do lugar. Precisava o suficiente para estar disposto a pagar.

Odiava ter que trabalhar na fazenda: levantar antes do sol nascer, trabalhar até se pôr; queimar as costas sob os raios de luz; ficar com calos nas mãos e pés doendo e no fim do dia agradecer e rezar pra chover numa cidade no meio do deserto.

Era melhor gastar meu dinheiro nos bares subterrâneos. Não precisava trabalhar para ter dinheiro. Poderia conseguir o dobro do que Smith nos pagava se quisesse.

Entrei em casa trazendo uma bicicleta cor-de-rosa para Mary. Me deparei com uma mulher estranha sentada no chão da sala, brincando com ela enquanto Hermam dormia deitado no sofá, uma manta envolta do corpo.

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