Danny

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Myrtle explicou que não podíamos só roubar um carro e largar o nosso. Ela disse que tínhamos que levar a placa do que estávamos largando e roubar placas de outros carros da rua também.

— Se você tira a placa do que você largou, a polícia não consegue identificar o rastro de vocês tão facilmente. E se tiverem várias placas podem trocar com frequência e respirar mais fácil, assim vocês conseguem manter um carro por muito mais tempo.

Nós fizemos isso. Elvis sugeriu que déssemos o fora do estado o mais rápido possível. Myrtle foi contra. Ela disse que precisávamos aprender a nos divertir mais e fugir menos.

Isso me deixou desconfortável. Não havia diversão no que estávamos fazendo. Mas, Elvis e Myrtle pareceram concordar um com o outro. Ele até a deixou dirigir.

Olhei torto para Elvis por isso, mas ele fingiu me ignorar.

Myrtle dirigiu até uma casa grande, de portão branco e cerca em volta.

— Os donos estão viajando. Foram ver a família da mulher ou algo assim. - Myrtle explicou nos guiando até a porta dos fundos, que estava arrombada. — Eu tenho me escondido aqui por algumas semanas, já vendi algumas das jóias e outras coisas nos bares clandestinos para ter coisas que combinasse mais comigo.

Myrtle nos guiou pela casa até o andar de cima, onde ficavam os quartos. Ela andava pelo lugar como se fosse a dona, o que deixava claro que já estava bem confortável ali dentro.

— Tem bares clandestinos por aqui? - Elvis perguntou com curiosidade.

Myrtle sorriu. — Tem bares clandestinos em todos os lugares. Mas, não se preocupe, estamos cada vez mais perto de não precisar mais desses lugares.

Myrtle entrou no quarto dos donos da casa e tirou os sapatos de salto. Ela abriu a mesinha ao lado da cama de casal e rapidamente pegou um kit de costura.

Ela se jogou na cama e gesticulou na direção dos guarda-roupas.

— Vamos! Eles tem muito bom gosto e nem estão precisando de tanta roupa! - Myrtle riu, os olhos azuis brilhantes com malícia. — Procurem algo que gostem!

Eu hesitei. Elvis não.

Ele correu para o guarda-roupa e começou a puxar os paletós, calças e camisas, olhou a numeração dos sapatos, experimentou os chapéus, relógios e tudo que poderia ter do lado masculino do guarda-roupa.

— Experimenta esse! Você vai ficar ótimo em listras! - Elvis mandou empurrando uma roupa para mim e correu para fora do quarto carregando outra muda de roupas para se trocar fora da vista de Myrtle.

Me balancei nos meus próprios pés, olhei sem jeito para Myrtle. Ela sorriu, se aconchegando na cama, contra os travesseiros. Havia tanta provocação, tanta malícia, no olhar dela que precisei recuar um pouco.

— Não seja tímido. - Myrtle riu. — Eu não sinto vergonha fácil.

Felizmente, Elvis voltou naquele momento, com o traje que tinha escolhido. O terno trespassado duplo era de um azul-marinho com listras azul-médio, deixava ver uma parte do colete preto e da camisa branca, o chapéu Fedora e as calças combinavam com tudo.

Elvis deu um pequeno giro para exibir as roupas. Embora a combinação fosse ótima e o azul realçasse bem seus belos olhos, as calças eram compridas demais, as mangas do terno também. Não dava para dizer com certeza com o terno por cima, mas o colete também não parecia tão bem ajustado.

Myrtle levantou, aplaudindo a aparência de Elvis e pegou o kit de costura.

— Agora vamos deixar isso perfeito para você, querido. - ela riu.

— Você é boa nisso?

— Querido, minha mãe era costureira, ela me ensinou tudo antes do Jack me ensinar a roubar.

Revirei os olhos para o apelido dela para Elvis. Myrtle sorriu para mim, mostrando um sorriso perfeito digno de capa de revista.

— Vá se trocar também, Danny! Vocês dois precisam aprender a se divertir no submundo, eu já disse.

— Elvis já sabe se divertir até demais. - bufei.

Myrtle deu risada e mordeu o lábio inferior, parecendo achar graça de nossas interações.

— Então acho que é você quem precisa se divertir, Daniel. - observou. — Por isso, hoje, vamos ajeitar algumas roupas para vocês e vamos a um bar clandestino com apenas as pessoas mais divertidas e os melhores fornecedores.

Decidi não perguntar o que Myrtle considerava serem "pessoas divertidas." Sai do quarto para me trocar e tentei não bufar enquanto a observava se ajoelhar no chão e começar a marcar com alfinetes os ajustes que precisaria fazer no terno de Elvis.

***

Myrtle ajustou várias roupas para nós levarmos, nos ajudou a escolher relógios, chapéus e perfumes para usarmos. Nos mostrou o cofre que os donos da casa tinham e explicou que não sabia como abri-lo.

Elvis, por acaso, sabia como. Abrimos o cofre e usamos o dinheiro para comprar sapatos, almoços e lanches. Levamos as roupas ajustadas e alguns dos travesseiros para nosso carro do momento.

Foi... interessante não ter que pensar muito nos preços e apenas comprar. Foi bom me vestir bem, sem roupas rasgadas para variar.

Quando a noite caiu, Myrtle assumiu o volante. Dirigimos até uma casa fora da cidade, bem no meio do nada.

Myrtle já era conhecida lá, quem abriu a porta não questionou a presença dela ou a nossa. Apenas deixou passar.

No porão da casa, era onde tudo acontecia. O cheiro de álcool era forte, as risadas tão altas quase abafaram a música. Havia dança, prostitutas, bêbados e jogatina.

Elvis não demorou a conseguir a bebida. Ele logo estava com uma garrafa de uísque na mão e ria enquanto bebia, como se estivesse em seu habitat natural.

Myrtle sumiu entre a multidão e, antes que eu me desse conta, Elvis estava com os braços em volta do meu pescoço, me beijando e balançando ao som da música.

Me afastei, assustado, olhei ao redor com receio das reações. Mas ninguém parecia estar olhando, ninguém parecia se importar.

Elvis notou minha reação e sorriu, suas mãos foram para minha nuca e seu olhar se tornou mais cúpido. Estremeci quando ele se aproximou para sussurrar no meu ouvido, a voz fazendo cócegas em minha orelha.

— Não se preocupe, ninguém pode fazer nada. Todos aqui tem pecados muito piores para pagar... - Elvis riu baixinho e arrastou os lábios pelo meu pescoço antes de mordiscar minha orelha. — Bem-vindo a nova vida.

Olhei para o Elvis, suas palavras se alojando na minha mente. Precisei de alguns instantes para assimilar o significado completo.

Sem necessidade de se esconder, sem encontros no deserto, sem amarras. Eu e ele no meio da multidão, colados dançando juntos, corações disparados e nenhum olhar. Apenas nós sendo nós.

Meus olhos marejaram quando finalmente compreendi o que Elvis estava me dando: o que eu sempre quis. Uma vida que era mais do que se esconder e sobreviver; a chance de finalmente poder viver em público.

Esse homem seria minha morte, decidi. Mas seria a morte exatamente como ele sabia que eu queria: fiel a mim mesmo, livre de dogmas que me faziam sentir errado ou distorcido. Uma morte fora da cidade.

Bem... Isso não parecia um jeito triste de morrer.

Puxei Elvis para outro beijo. Mais uma vez, ninguém se importou.

Salário do PecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora