Myrtle estava sentada no chão, lendo jornal. Eu estava sentado à janela, as cortinas estavam fechadas, mas estava atento a todo e qualquer barulho que pudesse vir do lado de fora.
Billy e Elvis tinham ido roubar algum médico já que precisávamos de um novo kit de primeiros socorros.
Observei as paredes cor de creme atrás de Myrtle por um instante. Estávamos há pouco mais de uma semana nesse flat que ela havia alugado para nós.
Tomei um gole da minha cerveja: era legal novamente e Elvis comemorou comprando caixas e caixas de cervejas e me deixando me embebedar todas as noites. Ele havia parado de beber recentemente para que eu pudesse ficar bêbado com a confiança de que ele cuidaria de mim.
Eu não confiava nele tanto quanto antigamente, mas, era mais fácil lidar com a nossa vida atual sob efeito do álcool. Era mais fácil ignorar o sangue em nossas mãos quando minha consciência flutuava desinibida e garrafas vazias se acumulavam aos meus pés, por isso me contentava em aceitar as garrafas que ele trazia.
Passávamos os dias dormindo, saíamos da cama depois do meio-dia, então andávamos pela cidade, íamos ao cinema ou comprávamos coisas inúteis como relógios novos e sapatos chiques, à noite nós bebíamos e jogávamos poker. Às vezes, Elvis e Billy saiam para roubar. Às vezes, eram Elvis e Myrtle. Eu sempre ficava, Elvis sempre ia. Não me agradava me envolver muito mais do que o necessário nesses roubos.
Myrtle abaixou o jornal. — Há algum motivo para estar me encarando? Fiz algo suspeito?
Pisquei, surpreso com a pergunta. Não tinha percebido que meu olhar havia se desviado das paredes para se fixar em Myrtle.
— Hum? - arqueei a sobrancelha, me inclinei na direção de Myrtle, observei os metros de distância entre nós dois. — Não, querida. Só me perguntei... Como foi mesmo que a polícia descobriu o caminho que você e Jack iriam pegar? Sabe... quando ele morreu.
Não sei bem porque perguntei isso, mas honestamente, depois de tantos meses mantendo Myrtle na rédea curta, estava tão estressado com ela quanto ela estava comigo. Desenvolvemos o hábito péssimo de nos provocarmos quando não tínhamos mais nada para fazer.
Myrtle inclinou a cabeça e deu um meio sorriso. — Você vai descobrir como, tenho certeza.
Dei um meio sorriso. — Sim, tenho certeza que sim. Vou garantir que você e Jack se reencontrem no momento que eu souber como.
A expressão dela azedou, os lábios se retorceram e a pele de mármore franziu como jóias falsas apodrecendo.
— Oh, obrigada, querido.
***
— Elvis, me deixe tentar! Me deixe tentar! - Billy pediu, os olhos brilhando enquanto movia uma agulha de injeção de uma mão para a outra.
Eles tinham roubado o carro de um médico, era um carro velho e bege, horroroso, mas só roubamos porque era de um médico, sabíamos que a maleta estaria ali, cheia de remédios, curativos e gaze.
Elvis e Myrtle brincavam com as injeções, aplicando as agulhas um no outro como dois idiotas. Eu me dividia entre jogar paciência e prestar atenção para intervir caso as coisas escapassem do controle.
Miller olhou para mim pelo canto dos olhos e piscou enquanto estendia o braço para Billy.
Billy deu um enorme sorriso, os olhos brilhantes como uma criança quando segura uma faca ou apronta pelas costas dos pais. Ele aplicou a injeção no braço de Elvis e Elvis caiu para trás, os olhos rolando e fechando, a boca entreaberta.
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Salário do Pecado
RomanceEntre a Grande Depressão, a Proibição e leis que criminalizavam a homossexualidade, Daniel Osorio conheceu Elvis Miller, um rapaz charmoso que o fazia se sentir livre mesmo que por poucos momentos. Ele entregou o coração para Elvis e recebeu o coraç...