Conhecendo o Miguel.

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Que delícia o gostinho de café forte e quentinho!

Eu poderia aprecia-lo muito mais se o sinal não tivesse tocado me fazendo pular de susto, queimar a língua e derramar o líquido preto na minha linda e limpa blusa branca.

— INFERNO! — berrei e coloquei a língua para fora, distribuindo alguns tapas nela na falha e imbecil tentativa de fazer o ardor passar.

— Não pode falar inferno, tia Emma. O papai do céu não gosta. — a voz infantil me fez pular novamente com o susto e dessa vez derrubar a xícara e alguns livros no chão. Respirei fundo e tentei sorrir para a garotinha parada a minha frente, que me olhava com os olhos arregalados.

— Bom dia, Flávia.

— Você está bem, tia? Tem café na sua blusa.

— Estou ótima. Tirando os dois sustos.

— Por que se assustou? — perguntou e eu me abaixei para recolher os livros do chão.

— Porque... quer saber? Nada! — sorri. — Por que não se senta? A tia vai buscar um pano para limpar essa bagunça. Já volto. — ela assentiu e eu saí dali com um pouco de pressa. Coisas como essa sempre aconteciam, eu era um pouco desastrada e às vezes me perdia muito fácil. Era necessário que as crianças ou Nick me cutucassem para voltar ao planeta terra. Se não fosse pela a ajuda do meu melhor amigo, já teria sumido ou morrido em São Paulo dado ao fato de que toda minha família havia ficado em Miami e como está estampado na cara, não sou muito normal.

— Bom dia!

— Santa mãe de Deus, já é o terceiro! — gritei me virando e a dona da voz arregalou os olhos. — Desculpa! Sabe como é, o terceiro susto do dia. Não comecei muito bem... quer saber? Esquece! Em que posso ajudar?

— Você é sempre falante assim? — negou com a cabeça. — Estou procurando pela senhora Myers, pode avisar?

— Está falando com ela. — sorri. — Eu sou a "senhora" Myers. — fiz aspas com os dedos. A mulher franziu o cenho e me olhou dos pés à cabeça.

— Você? Quantos anos tem? Doze? — ok. Antipática! Típico de pessoas bonitas e ricas, não que todas sejam assim, claro que para toda regra há uma exceção.

— Acho que minha idade não interfere na minha prática profissional, mas se te tranquiliza já sou maior de idade. Está procurando por mim, muito prazer, Emma Myers, mas pode me chamar de Emma. — estendi a mão direita e ela aceitou, porém direcionou o olhar para a estúpida mancha na minha blusa. — É café! Sabe, o segundo susto... esquece!

— Mia, pode me chamar de Mia. — Mia era uma mulher muito bonita e o que mais chamava atenção eram seus longos cabelos loiros.

— Muito prazer, Mia. Em que posso ajudá-la?

— Estive conversando com um tal Nicolas há semanas atrás sobre matricular meu filho nessa escola. Ele disse que Miguel poderia começar hoje mesmo com a professora Myers, você no caso. — apontou para mim.

— Ah, claro. Nick me avisou mais cedo. Onde está o Miguel? — perguntei e ela tentou puxar o garotinho atrás de si e só então percebi que ele estava ali o tempo todo, porém agarrado na perna da mãe.

— Vamos, Miguel. A mamãe tem que ir para o trabalho. — ela puxava o menino que parecia relutar muito, talvez estivesse com vergonha. — Não era o que você queria? Para de birra.

— Me permite? — pedi e me ajoelhei no chão. — Oi, Miguel. — cumprimentei e ele me olhou através da perna da mãe. — Você está bem, campeão? Eu sou a tia Emma. Bom, fiquei sabendo que você gosta muito de violão e adivinha só? A tia também! Sabe o que isso quer dizer? — ele negou com a cabeça. — Que vou ensinar você a tocar. E tem mais, você vai fazer um montão de amiguinhos novos e no final do dia, vai ganhar um pirulito bem grandão se for bem.

— Está falando sério? — ele perguntou finalmente largando a perna da mãe e caminhando em minha direção me permitindo o ver com clareza. Miguel era a criança mais linda que já tinha visto. Ele era bem pequeno, pele clarinha, lindos olhos azuis e cachos loiros que vez ou outra caíam em seu rostinho de bebê. Senti meu coração se aquecer ao mesmo tempo que um frio se apossou de minha barriga. Algo naquela criança me era familiar ou era apenas eu associando seus cabelos loiros a mim?

— Sim, estou falando muito sério. Quer vir? — perguntei e ele sorriu, aquele sorriso! Eu conhecia aquele sorriso. Neguei com a cabeça e ao contrário de segurar sua mãozinha o peguei no colo. Mia me olhava assustada.

— Como fez isso?

— Isso o que?

— Como conseguiu convencê-lo? Quando o Miguel começa com a birra nada o faz parar, nem mesmo o Batman.

— Ah, foi fácil. Só precisa falar a mesma língua que ele e tratar com amor, ignorância não resolve. Claro que nem todos levam jeito. — alfinetei e quase tampei a boca ao perceber, mas ela não pareceu acatar a indireta.

— Entendo. Minha mãe por exemplo, não leva uma gota de jeito para cuidar de criança.

— Então é de família?

— O que disse?

— Perguntei se ela não é um membro da família que devo considerar ligar caso o Miguel precise.

— Certamente. Ligue para mim ou para a minha esposa.

— Qual o nome da sua esposa?

— Todas as informações necessárias estão com o Nicolas. Mas não irá precisar ligar, não é? — perguntou. — Posso confiar que estou deixando meu filho em boas mãos e em um lugar seguro?

— Seguro como nunca esteve antes. — deixei escapar. — Digo...

— Não se explique. Já entendi. — se aproximou e beijou a cabeça do filho. — Amor, a mamãe já vai. Mais tarde venho buscá-lo. Divirta-se e estuda bastante, hein!

— Pode deixar. — ele estendeu o polegar para cima fazendo um sinal.

— Tchau, filho. Tchau, Emma. — sorriu forçado e eu devolvi seu sorriso. Ficamos parados ali até ela entrar no carro e desaparecer pelas ruas.

— Cobra. — falei baixinho. Miguel me olhava de maneira terna, a mãozinha passeava livremente pelo meu rosto como se me conhecesse ou buscasse lembrar de onde me conhecia.

— Eu sei quem é você.

— Sim, eu também sei quem é você. Eu sou a tia Emma, sua professora e você é o Miguel, meu aluno. — apertei seu nariz e ele o franziu de maneira extremamente fofa.

— Não! Eu sei quem é você, mas não assim.

— Como assim?

— Eu não sei. — deu de ombros e deitou a cabeça no meu ombro. Mais uma vez o frio se apossou de minha barriga e fiz uma careta, mas comecei a andar com ele em direção à sala de aula.

— Me conta, Miguel, quantos anos você tem?

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Um Bebê Entre Nós - Jemma version Onde histórias criam vida. Descubra agora