Memórias.

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Novamente a casa se encontrava vazia. O silêncio estava presente em todos os cômodos, contrariando completamente o barulho dentro de minha alma. Desde a minha conversa com o Miguel, algo dentro de mim me perturbava e ameaçava vir à tona. Medos, inseguranças, lembranças, alegrias, tristezas, tudo que jurei deixar no passado.

Mas o que fazer quando o seu passado é mais presente do que você gostaria que fosse?

Em um ato impulsivo, corri em direção ao quarto e arrastei um pequeno banco de madeira branca até o guarda-roupa. Subi e de cima do móvel peguei uma mochila preta, me dirigindo até a cama de casal. Abri a mochila e de dentro retirei alguns papéis importantes até encontrar meu diário e a chave. Respirei fundo e contei e recontei mentalmente antes de encaixar a chave no cadeado e abri-lo. Algumas folhas amareladas, borradas e soltas se espalharam pelo colchão, mas não me preocupei em juntá-las, apenas passei os dedos pelas linhas escritas e folheei algumas páginas até encontrar o que eu queria.

Com as mãos trêmulas, segurava aquela foto que eu mesma havia tirado. Fazia tanto tempo! Mas ainda assim, a imagem era nítida, me permitindo observar cada detalhe de seu perfil. Ela estava sentada em um balanço, segurando seu inseparável violão, usando o uniforme do colégio que estudava, seus cabelos loiros ainda eram compridos e o que deixava a foto mais linda era sua expressão completamente distraída.

-Flashback on-

O dia mal havia começado e meu estresse estava ao mais alto nível possível. Eu odiava acordar cedo, odiava ainda mais ficar presa no trânsito infernal de São Paulo, e para o meu azar, em dia de chuva. Os vidros do carro estavam completamente fechados e o aquecedor ligado, mas mesmo assim eu sentia frio. O céu lá fora parecia escuro demais e os trovões me faziam querer voltar para casa, me enfiar debaixo da coberta e passar o resto dia assistindo séries. Mas, eu precisava ir para o trabalho.

Meu humor estava tão ruim que sequer liguei o rádio do carro, apenas pisei com força no acelerador quando a imensidão de gente me deu espaço para passar. Foi quando tudo aconteceu. Um maldito buraco, uma maldita poça d'água e uma garota na calçada, esperando o sinal fechar para atravessar a rua. Juro que tentei desviar, mas estava em alta velocidade. Tudo que consegui ver através do retrovisor foi água suja encharcar a garota e ela começar a correr desajeitadamente atrás do carro.

— Droga! — soquei o volante. — Mais essa agora. — reduzi a velocidade até encostá-lo completamente. Minutos depois, socos e tapas foram distribuídos na janela e porta do passageiro. Ela gritava, mas para mim soava inaudível e apenas respirei fundo, antes de destravar a porta e abri-la.

— OLHA O QUE VOCÊ FEZ, SUA... SUA... RODA DURA! — esbravejou.

— Desculpa, foi sem querer.

— VOCÊ DEVIA SER MULTADA POR ANDAR EM ALTA VELOCIDADE. — bateu o pé com força no chão. — VOCÊ ME ENCHARCOU, SUA FEDIDA!

— Fedida? Eu?  Não me lembro de ter tomado banho com água da rua e muito menos de estar cheia de lama. — ri e seu rosto ficou vermelho.

— VOCÊ AINDA RI DA MINHA CARA? TINHA QUE SER SÃO PAULO, LUGAR DE GENTE MAL EDUCADA.

— Opa, opa, assim você me ofende. E quer, por favor, parar de gritar? Estamos na rua e eu não sou surda.

— Você é bem ousada, não acha? Me dá um banho de água suja e ainda me pede para não gritar!

— Já disse que foi sem querer e já pedi desculpas. — revirei os olhos.

— Seu pedido de desculpas não vai fazer eu chegar limpa na minha primeira entrevista de emprego. — rebateu. — O mínimo que pode fazer é me oferecer roupas novas, limpas e secas.

Um Bebê Entre Nós - Jemma version Onde histórias criam vida. Descubra agora