⁰⁰⁴ 『Ele me reconheceu』

191 32 131
                                    

Jess

Finjo que não dói ele não ter me reconhecido. É a segunda vez que o vejo. Desde que o reencontrei aqui, nesse bar, não consegui conter minha supresa quando seus olhos encontraram os meus. Tentei manter a postura no momento em que percebi que era ele. Tentei não ficar em silêncio por muito tempo para não deixá-lo desconfortável, porém foi difícil.

Os olhos eram os mesmos nos quais eu me sentia bem no passado. Bill não mudou muita coisa, já eu mudei. Desde a última vez que nos vimos, pintei o cabelo, comecei a usar lente e parei de usar lápis de olho. Não que isso seja uma mudança drástica, mas ele não tem culpa de não perceber.

Está passando por problemas, eu sei.

Sou tomada por um espírito protetor assim que vejo o decorrer da cena. A garota invadiu a pouca privacidade que o Kaulitz tinha e além disso, fez com que a entrada do bar se enchesse de repórteres. Alguns dos clientes acordam ou se surpreendem com o tumulto. Cozinheiros, garçons e até o gerente aparece para ver o que estava acontecendo.

Os repórteres entram. Bill fica paralisado, encarando a cena com os olhos arregalados. Não penso duas vezes antes de agarrar seu braço e tirá-lo rapidamente dali. O arrasto correndo até o armazém. Escuto as várias vozes nos seguindo e aperto o passo.

Quando chegamos, tranco a porta a tempo de escutar inúmeras batidas. Estamos sem saída. Claro que não sou a única que tem a chave do armazém, mas duvido que algum funcionário vai abri-lo. Eu acho.

Fico encarando a porta até recuperar o fôlego. Olho para trás e vejo Bill escorrado na parede entre as prateleiras, de olhos fechados e com o peito subindo e descendo em uma velocidade absurda. Está tendo um ataque de pânico.

Vou até ele com o intuito de acalmá-lo, mas quando chego perto, sinto seu peito bater contra o meu e seus braços se envolverem ao redor de meu corpo. Pisco várias vezes para saber se é real.

Sinto uma de suas mãos subir para as minhas costas, acariciando meus cabelos. Não ouso me mexer, nem de retribuir o abraço. Sua bochecha roça contra a minha cabeça e meu coração acelera, me deixando desnorteada.

- Jess - ouço Bill susurrar, me apertando ainda mais contra o seu corpo - É você, não é?

Não respondo de imediato. Minha boca começa a tremer e sinto minha garganta arder. Ele se lembra de mim... Ele se lembra. Com um movimento rápido, levo minhas mãos até as suas costas e a aperto, sentindo algumas lágrimas se formando.

- Sim - minha voz sai fraca - Sou eu, Bill

Ficamos ali por alguns minutos, porém gostaria que aquele momento durasse mais. Fico triste quando ele se afasta. É quase inacreditável que mesmo mudando de país, nos encontramos novamente. Fazia nove meses desde a última vez que nos vimos. Me sinto mal. Foi por minha culpa que tivemos que nos separar.

Heróis não existem só na TV ou em revistas de quadrinhos. O meu está bem aqui, na minha frente. Bill me encontrou em uma fase em que eu necessitava ser salva. Me tirou da escuridão e me mostrou a luz: Ele. Ele era a própria luz. Nos tornamos bons amigos, mas estraguei tudo quando fui embora, sem avisar.

Então é um pouco constrangedor vê-lo aqui, após nove meses. Uma gestação. Me recuso a olhar em seus olhos quando suas mãos tocam o meu rosto, analisando cada traço. Seus dedos macios me provocam arrepios e tento não parecer tensa quando ele suspira. Um suspiro de tristeza. Sei o que vai dizer agora. Fecho os olhos, querendo sumir.

- Obrigado - diz ele, tirando as mãos de meu rosto.

Levanto o olhar. Não era isso que eu imaginava que ele diria. Bill tem o direito de me perguntar do porquê não disse nada quando fui embora, meses atrás. De me xingar. De me chamar de egoísta... Entretanto, ele não faz isso. Muito pelo contrário. Sorri como se tivéssemos nos visto ontem, não nove meses atrás.

- Você parece... saudável - continua, sorrindo.

Não consigo segurar uma risada. Quando ele me encontrou, no fundo do poço, eu estava em um estado deplorável por consequência dos entorpecentes. É compreensível seu comentário.

- Obrigada - respondo, rindo.

Nossos olhos se encontram mais uma vez e sinto uma corrente elétrica percorrer pelo meu corpo. A mesma que eu sentia antigamente. A mesma que estragou minha vida. Desvio o olhar rapidamente. Não devia estar aqui, com ele, sozinha. Isso não é perigoso só para mim, mas para Bill também.

Ele já sofreu o bastante, não precisa de mais nada para atormentar seus pensamentos. Pigarreio, olhando ao redor. Não tem como sairmos daqui se não for por onde entramos. Então, escuto o tilintar de chaves. Não escuto mais nada do que isso. Não preciso olhar para Bill para saber que ele está tenso. Também estou. Mordo o interior de minha bochecha, torcendo para que seja o que estou pensando.

Poucos segundos se passam e tenho certeza das minhas hipóteses. Silvana, a faxineira, abre a porta com um sorriso no rosto. Solto um suspiro de alívio.

- Todos já foram embora - diz ela, fazendo sinal para sairmos - Chamamos a polícia e todos foram retirados do local.

- Obrigada Ana - falo, abraçando-a.

Ouço um gentil agradecimento vindo de Bill. Levo-o até os fundos do bar, evitando sair pela frente e dar de cara com repórteres insistentes. Mesmo que não seja possível ver nenhum, sei que devem estar esperando Bill sair.

Levo uma roupa diferente para o Kaulitz vestir. Coloco um aplique de longos cabelos pretos e lhe dou algumas espumas para fazer enchimentos aqui e ali. Sua aparência após o disfarce é hilário.

- Não ria de mim - ele franze o cenho, jogando os novos cabelos para o lado - Estou lindo assim.

- Sempre foi - deixo escapar, corando levemente. Pigareio, abrindo as portas dos fundos e olhando para tudo, menos para ele.

- Hã... - mumura o Kaulitz, assim que saímos - Você não quer... quem sabe, sair algum dia para colocarmos o papo em dia?

- Não - respondo rápido demais. Logo me arrependendo da minha grosseria. Mudo o tom da minha voz - Quer dizer... não posso. Trabalho o dia inteiro e faço faculdade à noite.

- Uou - suas sobrancelhas se levantam, em supresa - Você está fazendo faculdade? Que maravilha.

- É... estou - comprimo os lábios, olhando para os meus tênis surrados.

- E nos fins de semana? - ele persiste.

- Passo um tempo com Michael.

- Michael? - Bill repete, franzindo o cenho.

𝐒𝐄𝐂𝐑𝐄𝐓𝐒 | 𝐁𝐢𝐥𝐥 𝐊𝐚𝐮𝐥𝐢𝐭𝐳 Onde histórias criam vida. Descubra agora