⁰⁰⁹『Esparramada』

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Bill

Nove meses atrás.

E a turnê acaba. Finalizamos mais um ano com alegria e com a plateia vibrando e gritando enquanto nos despedimos. Sorrio para minha banda no caminho do hotel. Estão todos cansados e eufóricos ao mesmo tempo. Welcome to Humanoid City foi um sucesso.

Decidimos passar um tempo aqui, no México. É um lugar intrigante, devo admitir. Uma cultura incrível com pessoas incríveis. Chegamos no hotel e vamos direto para o banho. Tom dorme na sala com um cigarro na boca e Gustav e Georg em seus respectivos quartos. Por algum motivo, não estou com tanto sono assim.

Minha garganta dói um pouco mas nada que uma água não ajude. Vou até a sacada. Levo uma xícara de chá e me permito admirar a paisagem. Deixo a brisa noturna beijar meu rosto, causando arrepios em meu corpo. A luz da lua ilumina o ambiente, deixando-o mais belo. Fecho os olhos e fico ali. Até escutar um barulho.

Abro os olhos repentinamente. Um som de queda. Vou até a sala mas Tom ainda está na mesma posição. A dupla GG também. Tranco a respiração. Presto atenção em qualquer barulho. Parece estar perto, como se fosse aqui dentro. O sigo lentamente, com medo de perder o senso de direção de onde ele está vindo.

É do outro lado da porta. Apoio minha orelha contra o objeto. Escuto algumas risadas e choramingos. Há alguém ali.

De repente, sinto medo. E se forem ladrões tentando roubar-nos? Não enxergo nada pelo olho de vidro. O que quer que seja está abaixo.

Respiro fundo e pego um cabo de vassoura. Não sei muito bem o que posso fazer com isso mas estou disposto a tentar. Fico prestando atenção. Contudo, o som se cessa. Olho mais uma vez pelo olho de vidro. Nada.

Então, o choro se intensifica. Começo a ficar preocupado. Será que, quem está ali, está ferido? Penso no que fazer. Seria maldade demais deixar o ser que chora lá fora, caso esteja em apuros. Porém seria burrice demais se eu abrisse e alguém desse um tiro na minha cabeça.

Conto até três e giro o trinco, destrancado a porta. O que tiver que ser, será. Então objeto emperra, faço força até escutar um gemido vindo do chão. Tem alguém ali. Impedindo a abertura da porta. Arrisco enfiar a cabeça para fora.

Uma...

Uma garota.

Largo o cabo da vassoura. Não vejo seu rosto, pois está na outra direção. A cutuco com o pé, escutando mais um murmúrio. Ela fede a álcool e a mais uma coisa que não consigo distinguir.

- Ei - susurro - cutucando-o novamente, sussurrando -  Volte para casa.

- Não tenho - ela responde, para o meu espanto.

Semicerro os olhos. Olho ao redor e não vejo ninguém. Empurro a garota com o pé até conseguir abrir a porta o suficiente para que eu consiga sair. Me agacho em sua frente. Está deitada de lado, com o cabelo grudado em seu rosto pelas lágrimas que jorram dos seus olhos. Sinto uma pontada de pena mesmo não sabendo do porquê dessa situação.

- Você está bem? - pergunto, tirando os cabelos de seu rosto. Percebo que é jovem. Meu coração se aperta ao ver o seu estado.

- Hassan brigou comigo - ela resmunga, com os olhos fechados.

Franzo o cenho. Briga de casal, típico. Suspiro. Por que sinto que devo ajudar essa figura que está esparramada na frente da minha porta?

- Aonde você mora? - pergunto.

- Estou hospedada neste hotel, mas esqueci qual quarto é - mas é claro. Quem no estado dela se lembraria de algo? - Hassan me expulsou.

Percebo alguns hematomas em seus braços e o rosto vermelho. Entendo de imediato. Não tenho cem por cento de certeza, mas acho que esse Hassan não passa de um machista de merda. Tento pensar no que fazer com ela agora. Ligo para a polícia? Chamo seus pais? Creio que o certo seria perguntar a ela.

- Você gostaria de voltar para onde Hassan está? - torço para que ela entenda a seriedade de minha voz.

Ela abre os olhos. São de um castanho parecido com o meu. Ela semicerra os olhos e tateia seu bolso, tirando um óculos de lá. Ao colocá-los, suspira e vejo mais lágrimas escorrendo de seu rosto. Agora está mais nítido sua aparência. Seu rosto é pálido, de um jeito preocupante. Suas bochechas são fundas e os olhos cansados. A aparência de uma viciada.

- Não - ela responde, olhando para o chão - Não quero.

Assinto. Ligo para a polícia e a ajudo a levantar. Ela está mancando. Seus braços são finos e quando pego em sua cintura para ajudá-la a andar, percebo o quão magra é. Meu coração dói ainda mais. Os entorpecentes tem esse poder.

Quando estamos chegando no elevador, percebo como a rigidez de seu corpo diminuiu. Suas lágrimas pararam de jorrar de seus olhos feito cachoeira. Ela estava livre, sabia disso.

Ao chegar no salão principal, informo aos funcionários a situação. Eles olham com para a mulher ao meu lado e assentem. Digo que deixarei ela aos cuidados deles, entretanto sinto a mão da garota se fechar com força em meu braço. Ela não quer que eu vá.

Fico ali, esperando, até que sinto a mão da mulher em meu braço tremer. Olho para ela e seu rosto está branco feito leite. Acompanho seu olhar. Não preciso me perguntar quem é. Só pela reação da pessoa ao meu lado, sei que é Hassan.

Um homem de pele bronzeada e de cabelos pretos, está conversando com um das funcionária. Sobrancelhas grossas e barba por fazer. Poderia até ser considerado bonito se não tivesse a mesma aparência e, pelo visto, o mesmo vício que a namorada. Mas ele não era magro como ela. Era forte. Muito, muito forte.

Ele me vê e anda até mim. Sinto a garota apertar meu braço com as unhas e evito fazer uma careta. Hassan se aproxima com um sorriso no rosto.

- Então foi você quem a encontrou - sua voz é grossa e me faz estremecer por alguns segundos - Obrigada. Agora, se me permitir, - ele olha para a mão da namorada em volta do meu braço - gostaria de levá-la para casa.

𝐒𝐄𝐂𝐑𝐄𝐓𝐒 | 𝐁𝐢𝐥𝐥 𝐊𝐚𝐮𝐥𝐢𝐭𝐳 Onde histórias criam vida. Descubra agora