Jess
A sensação que sinto é estranha. Não sinto culpa. Não sinto nada. Talvez eu tenha me tornado um monstro, talvez eu tenha me tornado ele. Cerro o punho direito. Apesar de não ter nada ali, ainda sinto o peso da arma que antes eu segurava.
"Sua única opção é atirar" ele disse, a voz arrastada por conta do álcool, os olhos fixos em mim. "Nunca vou parar de te atormentar, porque você não passa de uma vadia ingrata. O seu filho... ou melhor, o nosso filho...". Não deixei ele terminar de falar. Puxei o gatilho sem pensar duas vezes. O barulho do tiro ecoou por todos os lados e um buraco se formou bem no meio da testa de Hassan. Ele caiu para trás, feito um saco de batatas. Sangue jorrava de sua cabeça, os olhos sem vida. Dei um passo para trás, para analisá-lo um pouco melhor.
- Seu filho o caralho - eu disse, olhando-o com desprezo - Meu filho.
Sei que o quê fiz foi errado, que foi a pior forma de me livrar dos meus problemas. Contudo eu sabia que ele nunca iria parar, bem como suas palavras me alertaram. Michael vai crescer sem um pai, mas mil vezes melhor se tivesse um.
A cela onde estou não é tão ruim. Há vários arranhões nas paredes de cimento, provavelmente feitos por pessoas raivosas. Estou na solitária, sentanda no que acho ser uma cama. Meu uniforme laranja ficou um pouco folgado, mas não deixa de ser confortável. Olho para o policial que guarda a minha porta.
Já faz duas horas desde o incidente. Ainda é meio difícil de acreditar no que fiz, mas por algum motivo, eu não voltaria atrás. Não tenho advogado, mas me disseram para contratar um. Eu não me importaria em ficar na prisão, mas pensar em Michael e nos meus pais, e em como reagirão ao saber que matei meu ex-namorado e o pai do meu filho...
Droga.
Não pensar duas vezes antes de atirar foi o problema. Primeiramente, o que me veio a mente foi só a raiva e o desprezo que eu sentia por Hassan. Atirei. Ignorei o segundo pensamento: Meus pais e meu filho. Com certeza já devem saber. Tento imaginar o que estão pensando de mim. Será que estão supresos? Porque eu estou supresa comigo mesma. Nunca segurei uma arma na minha vida, muito menos atirei em alguém. Fecho os olhos e suspiro. Vai ficar tudo bem, não é?
Não é?
Um barulho de passos me tira de meus devaneios. Um homem de terno preto, aparentemente na casa dos quarenta anos, se aproxima do policial que me vigia. O desconhecido sussurra alguma coisa para ele e, de imediato, o guarda pega as chaves e abre a cela.
- Senhorita Jessica McLean, me acompanhe, por favor - o homem de terno diz, com a cara neutra.
Franzo o cenho e obedeço. Não faço ideia de quem ele seja, mas sua postura, assim como o jeito de falar, indica que é um advogado. Mas eu não chamei nenhum advogado. O policial une meus pulsos com a algema e me escolta até onde o homem de terno se dirige.
Entramos em uma sala com apenas uma mesa no centro e três cadeiras, duas de um lado e uma no outro. A sala de interrogatório. O policial que me acompanha se direciona até um canto da sala. Olho para o vidro que não muito longe está. É uma janela opaca. Não consigo ver nada do que tem do outro lado, mas sei que, quem quer que esteja atrás dela, não tem o mesmo problema.
- Sente-se, por favor - o homem de terno diz, fazendo sinal para que eu me sente na cadeira ao seu lado - Sou seu advogado, James Miranda.
Eu sabia. Apoio meus braços na mesa e tento imaginar quem o mandou. Meus pais? Não, eles não tem tanto dinheiro assim. Esse homem parece um especialista. Então, uma hipótese surge em minha mente.
- Bill te contratou? - pergunto.
Ele abre a boca para responder, mas sua fala é cortada por um policial que entra na sala. Anda a passos pesados até a cadeira e se senta. Ele junta as mãos sobre a mesa e semicerra os olhos para mim.
- Primeiro assassinato, não é? - sua voz grossa me causa arrepios, me lembrando do mesmo tom que Hassan usava - Como está se sentindo?
Não sei o que responder, porque eu realmente não estou sentido nada.
- Eu... - começo a dizer, confusa.
- Não precisa responder - o advogado diz, o rosto sério, de olhos fixos no homem a sua frente - Vá direto ao assunto.
O policial parece incomodado com a ordem. Se remexe no banco e franze o cenho. Não é só a voz que me lembra quem eu queria muito esquecer, mas o jeito que as sobrancelhas se juntam... Coincidência estranha demais.
- Ok - ele bufa, olhando para mim em seguida - Você confirma ter atirado em um inocente por vontade própria?
Cerro os dentes. Inocente? Olho para meu advogado e ele assente. Respiro fundo.
- Sim - respondo, fazendo um esforço enorme para não gaguejar - Mas ele não era inocente.
O policial arqueia uma sobrancelha. Por que ele se parece tanto com Hassan? Será que estou ficando maluca?
- Por qual motivo você atirou? - continua ele.
Como o advogado não intervém na pergunta, eu respondo:
- Por defesa.
O homem a minha frente solta uma risada. Ele olha em direção ao vidro, como se tivesse achado minha resposta engraçada.
- Pela imagem das câmeras, ele não moveu um dedo contra você.
Abro a boca para falar mas o advogado põe a mão em meu braço. Ele pega uma maleta que nem percebi que ele tinha. Dentro, há vários papéis. Reconheço uma das fotos que neles contém... Meus hematomas.
- O que minha cliente quis dizer, é que se defendeu contra os ataques que Hassan fazia contra ela. Pelo histórico dele, nada impediria de ele reproduzir as agressões - o homem de terno preto diz, mostrando alguns papéis.
Não consigo ler nitidamente o que está escrito, mas as fotos são distinguiveis mesmo de cabeça para baixo. São imagens dos momentos em que Hassan me bateu. Fotos tiradas em hospitais ou farmacias. Lembro de sempre usar algum acidente como desculpa... Parece que não os enganei muito bem.
- Todas essas fotos foram tiradas em todas as vezes que Jessica parava no hospital ou na farmácia em estado grave - continua o advogado, apontando para o papel - O relato da minha cliente sempre fora o mesmo, mas quem a recebia sabia que não eram simples "acidentes". Mandavam o relatório para os polícias investigarem. Até os vizinhos que escutavam gritos de desespero mandavam os mesmos relatórios. Mas parece que nunca forma lidos.
O policial parece nervoso. Tento fazer as palavras do meu advogado fazerem sentido, mas estão meio confusas.
- Talvez, nunca foram lidos, pois estavam na cara que era mentira - o oficial se defende. Vejo seu pomo de Adão subir e descer.
- Foram barrados - o advogado continua, ignorando a fala do policial - Você os barrou.
Tanto eu como o homem a minha frente ficamos supresos. Volto meu olhar para o policial e presto atenção em cada traço em seu rosto. Achei estranho ele ter características de Hassan, até pensei que estava alucinando... Agora tudo faz sentindo.
- Jonas Pires é o seu nome, não é? - o homem de terno preto prossegue, olhando para o policial que assente um pouco desesperado. A máscara caiu - Mas... qual era o seu nome antes desse? Wellington Braga, correto?
Braga? Espera... eu ouvi certo? É o mesmo sobrenome que... Hassan.
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𝐒𝐄𝐂𝐑𝐄𝐓𝐒 | 𝐁𝐢𝐥𝐥 𝐊𝐚𝐮𝐥𝐢𝐭𝐳
RomanceApós uma grande polêmica arruinar sua vida, Bill Kaulitz, cansado dos holofotes, resolve distanciar-se das câmeras por um tempo. Andava pelas ruas sempre cabisbaixo, evitando que reconhecessem seu rosto coberto pelo boné e os óculos escuros. Em uma...