⁰³⁰ 『Revigorado』

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Bill

Já faz mais de duas horas que Jess dormiu apoiada em meu ombro, soluçando e chorando. Escutei cada palavra e cada lamento, sem interromper. Meu coração arde só de lembrar o que ela teve que passar durante os últimos meses que se passaram.

Os pais dela faleceram.

A sra. McLean, uma mulher doce e gentil que estava na luta contra o câncer, não resistiu até a última quimioterapia e, infelizmente, partiu três meses atrás. Dez dias depois, o sr. McLean foi ao encontro da esposa. Uma morte dolorosa, fruto da partida do amor de sua vida. A tristeza foi tanta que seu coração não aguentou. Jess, que teve que ser forte por conta de Michael, aguentou até o fim. Contudo, seu humor foi influenciando e não conseguiu se concentrar totalmente nos empregos.

Foi demitida.

Só de pensar nisso e no fato de ela não ter me contado, me sinto culpado. Porém, entendo o motivo. Se eu soubesse do que estava acontecendo, provavelmente pararia a turnê só para ir vê-la. Mas é claro que eu não me importaria.

Olho ao redor, para a casa silenciosa, apenas com os resmungos de Jess e a respiração leve de Michael. O pequeno repousa em seu berço não muito longe, os olhos fechados e o rosto sereno. Espero que ao menos ele esteja tendo sonhos felizes, diferente da mãe que se remexe uma vez outra.

Mandei mensagem para os garotos, avisando que passarei a noite aqui, se Jess permitir. Mas já que ela está dormindo, não seria uma boa ideia acordá-la para perguntar. Ela merece descansar mais do que ninguém.

Me levanto, com cuidado para não acordá-la. A deito no sofá e vou a procura de uma coberta em seu quarto. Quando a tampo, vou em direção a cozinha para preparar alguma coisa, caso ela acorde com fome. Deixo-a com o sofá e vou até a sua cama. Me deito, sentindo o aroma da McLean entrar em minhas narinas. E, assim que percebo, tudo já escureceu.

Acordo com gritos. Abro os olhos repentinamente, percebendo que eles vêm da sala. Me levanto o mais rápido que posso, chegando até lá e me deparando com Jess se remexendo no sofá. Michael, por incrível que pareça, ainda dorme. Penso no que fazer, já que evidentemente a McLean está tendo um dos mais terríveis pesadelos. Me sento ao seu lado, segurando sua mão e a acariciando. Faço isso até seu corpo parar de se mecher. Quando vejo que Jess entrou mais uma vez em sono profundo, me levanto para voltar ao quarto. Porém, uma mão se fecha em meu pulso.

- Fica - susurra Jess, os olhos sonolentos fixados em mim. Sinto um arrepio ao sentir seu toque quente em minha pele.

- Ok - digo, um pouco nervoso assim que ela vai para o lado e me puxa para ficar ao seu lado.

Jess se aninha em meu peito e faço o máximo possível para não me mexer. Mantenho os olhos abertos, tentando controlar a minha respiração que parece alta demais. Fazia tanto tempo que eu não me sentia assim que acho que não conseguirei dormir novamente. Quando tenho certeza que Jess dormiu, solto um suspiro.

Estive pensando muito nos últimos dias em relação a McLean, ou melhor dizendo, nos últimos seis meses. Na última vez que nos vimos, fizemos coisas que amigos não fazem. Havia uma dúvida martelando minha cabeça durante esses seis meses e que continua me incomodando até agora.

Será que somos alguma coisa?

Quer dizer, não teve nenhum pedido concreto ou algo que deixasse claro nossa relação. Mas, definitivamente, não somos amigos. Além disso, minha intenção não é só ser amigo de Jess... Fico pensando nisso até que sinto meus olhos pesados, se fechando lentamente.

Quando acordo estou sozinho no sofá. Pisco várias vezes para acostumar meus olhos com a luz. Me sento, esticando meus braços. Fico nessa mesma posição, tentando lembrar em que momento dormi. O berço de Michael está vazio, o que significa que Jess acordou antes de mim. Suspiro, juntando forças para me levantar quando uma figura surge do corredor da cozinha. A McLean vem em minha direção com uma bacia na mão e trajando um avental branco, que cai muito bem em seu corpo. Mas não é isso que prende minha atenção e sim, o seu sorriso.

- Bom dia - ela diz, com uma animação que eu não havia ouvido ontem. Jess beija minha testa e puxa minha mão, me ajudando a levantar - Vamos, estou fazendo o café da manhã. Não posso deixar Michael muito tempo sozinho se não quiser que ele transforme a cozinha em uma lambança de mingal.

Assinto, um pouco chocando com a mudança de humor. Chego na cozinha e encontro o pequeno McLean usando as mãos como colher para comer seu mingal da tigela. Jess coloca sua bacia no balcão e usa um lenço para limpar as mãos da criança.

- Modos, filho. Temos visita - ela diz, enquanto faz cócegas em Michael. É impossível não sorrir com tal cena. Jess deve ser uma mãe maravilhosa - Ok. Bill, tem ovos na frigideira e pão na mesa. Um pouco de mingal que sobrou e frutas na geladeira, caso queira. O café está na cafeteira e estou fazendo umas panquecas. Sinta-se a vontade para comer o que quiser.

Pisco. Eu ainda estou processando essa nova Jess. Como alguém pode mudar tão rapidamente de humor assim?

- Você está... bem? - pergunto, um pouco constrangido mas ainda mais curioso.

- Ah - ela sorri, colando a massa de panqueca na frigideira - Fazia exato três meses que eu não dormia pelo menos uma hora sem ter terríveis pesadelos. Depois que você se deitou comigo, tive sonhos maravilhosos. Acho que isso é capaz de fazer qualquer um acordar de bom humor.

Entendo. Eu sofri de insônia por um bom tempo, mas assim que acordei, senti que recuperei todas as minhas energias gastas. É claro que a situação não se compara com a de Jess, mas me sinto revigorado após dormir ao seu lado.

- Nós poderíamos fazer mais vezes - brinco, arrancando uma maravilhosa gargalhada se Jess.

Que bom que ela está feliz.

𝐒𝐄𝐂𝐑𝐄𝐓𝐒 | 𝐁𝐢𝐥𝐥 𝐊𝐚𝐮𝐥𝐢𝐭𝐳 Onde histórias criam vida. Descubra agora