ARLETE
Olho em volta da sala da quimio e reparo em uma senhora que se parece com a minha mãe e ela sorri pra mim, eu sorrio de volta e me acomodo na poltrona. A enfermeira me explica como vai ser injetado os remédios e eu só aceno com a cabeça, eu já sei esse script de có e salteado.
Quando comecei a sentir os primeiros sintomas eu preferi ignorar, naju tinha acabado de se formar na escola e no curso de línguas estrangeiras, nina tinha acabado de entrar de vez pro movimento e ido começar a vida dela em um cantinho dela.
Uma parte de mim só não contou porque não queria preocupar elas com os meus problemas e deixar elas mal, outra parte só queria deixar acontecer, comecei a tomar uns remédios que a minha mãe e minha tia tomavam pra "ajudar" pelo menos um pouco.
Eu vi minha mãe morrer sem conseguir se tratar por falta de acesso a saúde, depois vi a minha tia morrer com acesso a saúde
Eu já tenho 40 anos, já vivi muita coisa, minhas meninas já estão feitas, eu me considero pronta pro que vier, seja a vida ou a morte, claro que eu gostaria de ver as minhas meninas juntas.
Me segurava muito pra não falar sobre a nina nas ligações com a naju, no começo a naju sempre perguntava e pedi pra ver ela na ligação, eu arrumava uma desculpa e mudava de assunto, se eu falasse, aquele nojento tirava a minha filha de vez de mim. No começo eu pensei que estava protegendo ela deixando ela ir com o pai, ele me convenceu que eu estava, mas não demorou nem um dia com eles longe e ele já começou com todas as exigências.
Ou eu cumpria tudo, ou ele fazia a naju sumir da minha vida, eu não tinha a opção de pedir a ajuda de ninguém com isso, me doeu demais e o sentimento de culpa me dominou toda, eu me mostrei forte pela nina que precisava muito de mim para o que viria.
Ela também perguntava muito da naju, eu sempre dizia como ela estava, mostrava as fotos que o pai dela me mandava, os vídeos, mesmo que ela tivesse 13 anos, ela ainda não tinha telefone, então também não tinha como a nina ter contato direto com ela sem o pai dela saber.
Com o passar dos anos, as coisas foram ficando melhores e complicadas ao mesmo tempo, eu fiz uns bicos e dei dinheiro pra ela comprar um telefone porque o pai dela se recusava, ela ficou toda feliz e passou a me ligar várias vezes no mesmo dia e não tocou mais no nome da nina, eu também não, mas a nina tomou aquela falta de contato como abandono.
Mesmo com isso, a nina não esqueceu ela, sempre pegava ela bizoiando meu celular quando ouvi a voz da naju, ela não esqueceu, mas guardou aquilo só pra ela e criou um casco.
O pai dela deixou ela voltar com muito custo, meus sintomas estavam piorando e não conseguia esconder dela, por ligação a naju foi percebendo o meu mal estar, o estrume ainda falou merda pra mim quando a naju estava decidida a voltar pra cá, eu ignorei, mas não duvido nada que ele tenha botado alguém pra vigiar a gente e passar pra ele, mas eu não ligo mais, não vou segurar a naju em nada, ela tem o direito de tomar conta da própria vida.
Eu não tive muitas escolhas na vida, conheci o pai dela muito nova, acabei ficando cega e aceitando até traição, eu estava frágil demais, minha mãe tinha morrido recentemente e a minha tia tinha acabado de ser diagnosticada também.
A vida pega muita peças, você nunca está preparada pra ela, mas até delas eu aprendi a tirar momentos bons dela também.
Por mais que eu esteja doente, eu estou feliz por ter as meninas juntas comigo de novo, elas são a minha felicidade e caso esse sejas os meus últimos dias ou meses de vida, eu irei tranquila por ter passado esse último tempo com elas.
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MINHA DONA É VOCÊ
Fanfiction📍 VIDIGAL, RJ Seis anos se passaram, e Ana Júlia retorna ao Morro do Vidigal com dois objetivos claros: concluir o curso de enfermagem e cuidar de sua mãe, Dona Arlete. O que ela não esperava era reencontrar um antigo amor da adolescência, que agor...