38 - Coração

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A respiração de Apelathei estava tão alta quanto o sopro do vento antecedente a uma grande tempestade. O ar à sua volta estava escuro, nebuloso e pesado, impregnado com o odor de sangue, fumaça e fuligem. Sua laringe ardia e coçava cruelmente enquanto ela teimava em filtrar oxigênio para dentro e para fora dos pulmões.

Aquilo tudo parecia tão irreal... A maneira como seu corpo doía, a maneira como seu coração doía, a maneira como queria gritar de raiva e medo e desespero...

Ela olhou em volta com os olhos nublados, injetados. O som de sua respiração pesada, de alguma forma, conseguia se sobressair aos gritos, às espadas cortando carne, músculos e ossos, ao som das fogueiras crepitando e queimando carne.

Tudo estava tão escuro apesar da claridade das fogueiras...

Ela se sentia tão claustrofóbica, mesmo estando parada ao ar livre, com grama e terra debaixo de seus pés, com árvores e montanhas ao seu redor. Mas a claustrofobia parecia compreensível, porque mesmo estando ao ar livre, havia centenas de corpos caídos, empilhados, destroçados ao seu redor. Mesmo com grama e terra debaixo de seus pés, o chão estava inundado de sangue, vômito e vísceras. Mesmo com árvores e montanhas à sua volta, ela parecia estar em um aterro cheio de mortos. Mesmo podendo respirar, Apelathei se sentia sufocada.

Suas mãos estavam ensanguentadas, paradas, caídas ao lado do seu corpo como dois pesos mortos. A espada que segurava tão firmemente apenas alguns minutos antes agora estava largada no chão à sua direita, tão inútil quanto ela própria se sentia.

Seus olhos, como duas moedas sendo atraídas por um ímã, não conseguiam desviar dos corpos. Ela nem mesmo conseguia piscar enquanto encarava o cadáver de Marcus, caído apenas alguns metros dela.

O jovem anjo nem parecia ser ele mesmo — principalmente porque não havia mais uma cabeça sobre seus ombros. Suas asas haviam sido cortadas — uma delas parecia ter sido arrancada, mas não com o auxílio de uma espada. As lindas e delicadas penas brancas estavam sujas de terra, cinzas e sangue, como se fossem apenas lixo. Marcus parecia tão destruído, tão humilhado...

À esquerda, com sangue, intestinos, membros e asas despedaçados, Apelathei viu o que um dia havia sido Lukka. Dois lobisomens "disputaram" seu corpo, cada um puxando-o com os dentes em direções opostas, até partirem a gárgula em pedaços. O som dos gritos de desespero e agonia que ela soltara enquanto era destroçada ainda reverberavam nos ouvidos de Apelathei como uma maldição, mas o demônio assistiu à cena sem mover um único músculo, sem fazer absolutamente nada.

O corpo — carbonizado — de Sagara estava um pouco mais afastado, ainda exalando fumaça e o odor pungente de carne queimada e morte. A cabeça da bruxa, entretanto, estava praticamente intacta, jogada bem ao lado da de Marcus. Seus olhos ainda estavam abertos e vidrados, e a carne de uma de suas bochechas havia sido arrancada, deixando seus dentes — ou o que restara deles — expostos.

Em um instante, os sons das espadas e dos gritos desapareceram. Apenas o som da respiração de Apelathei e o crepitar das fogueiras podia ser ouvido, além do sopro forte, insistente e fantasmagórico do vento. O corpo do demônio ainda estava estático, congelado no lugar. Parecia que todos haviam desaparecido, deixando apenas ela e os mortos para trás.

O olho esquerdo de Apelathei tremeu ao mesmo tempo em que um corpo caiu violentamente do céu, acertando o chão com tanta brutalidade que ela sentiu o abalo sob os pés. Logo em seguida, uma gárgula imensa pousou, quase esmagando o crânio da pessoa caída. Ela agarrou o cabelo do seu alvo e Apelathei deixou um gemido baixinho — carregado da mais pura dor — escapar.

Guerra dos CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora