28. Embate

97 6 162
                                    

Apelathei acordou com uma paz quase rara. Abriu os olhos lentamente, fitando a casa e a lareira que a aquecia. Apesar das chamas da lareira estarem bem vivas, um friozinho ainda persistia dentro da casa, o que tornava o clima quase melancólico. Ela esfregou o rosto preguiçosamente e passou uma mão pelo cabelo arisco. Seu corpo doía de um jeito maravilhoso — ainda com a lembrança forte das horas gastas com Killian.

Afastou os lençóis devagar, saindo da cama sem a menor pressa. Seu dia seria constituído de uma caminhada pela neve antes de anoitecer, ler e brigar com Lipotak. Ela não tinha mais nada para fazer.

Entrou no banheiro, saiu de dentro da camisola, e tomou um banho longo e bem quente. Cada parte de seu corpo que Apelathei tocava, a memória das mãos, da boca, do corpo de Killian a tocando voltava com toda a força. A sensação de senti-lo dentro de si, das estocadas brutas, dos sons que a gárgula mais contida que conhecia fazia... A sensação da pele úmida de suor de Killian sobre a sua, os cheiros, os sabores. O tempo mal havia passado, e ela já sentia falta da gárgula.

Terminou o banho, escovou os dentes, penteou o cabelo e vestiu uma calça jeans e uma camisa de manga longa. Saiu do banheiro e encontrou Lipotak com um copo de uísque nas mãos e os olhos presos em um livro.

— Finalmente a Bela Adormecida acorda — disse ele, ainda olhando para as páginas do livro.

Apelathei revirou os olhos e caminhou para a cozinha, escondendo um sorriso.

— Bom dia para você também.

Procurou por café, mas não achou. Procurou por alguma coisa para comer, mas não achou nada pronto. Olhou para o irmão com uma mão da cintura e uma sobrancelha erguida. Lipotak finalmente a olhou e ergueu as sobrancelhas, como se não a estivesse entendendo.

— O que foi? — perguntou.

Apelathei lutou com o autocontrole para não atirar alguma coisa pontiaguda na cara cínica do irmão.

— Você come como se estivesse morrendo de fome e não tem coragem de fazer nada para repor no lugar do que comeu?

O demônio mais jovem passou uma mão pelo cabelo e fechou os olhos, respirando fundo.

— Muito trabalhoso...

— Muito trabalhoso? — Apelathei praticamente rosnou. — Não seria você muito cara de pau?

Lipotak abriu os olhos arregalados e deixou o queixo cair com a melhor cara de ofendido que conseguia fazer.

— Você está sendo uma tirana.

— E você é a porra de um preguiçoso.

No instante em que Lipotak abriu a boca para responder, o telhado da casa explodiu. Cada um foi arremessado para um lado. Lipotak acertou a janela com força, fazendo cacos de vidros saírem voando, junto com a madeira das portas da janela, e o concreto em volta dela estremeceu, cedendo e abrindo um buraco na lateral da casa. Apelathei foi lançada contra os armários da cozinha, chocando as costas com força na madeira e aço, amassando e destruindo tudo. A cabeça do demônio bateu com força na parede — rachando o concreto — e a visão dela ficou escura por alguns instantes.

Gosto de bile tomou conta da boca de Apelathei enquanto ela lutava para recuperar o ar, ainda largada no chão. Seus ossos praticamente gritavam em protesto pela dor, mas sua pele felizmente não estava rasgada — exceto por um ou outro corte superficial pelo corpo e rosto. Ela abriu os olhos com dificuldade, percorrendo a casa com o olhar, à procura de Lipotak. Sua preocupação com seu irmão se sobressaía à sua preocupação consigo mesma. Seus olhos vasculharam a casa três vezes — e na terceira ela desejou não ter olhado.

Guerra dos CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora