Apelathei acordou com uma paz quase rara. Abriu os olhos lentamente, fitando a casa e a lareira que a aquecia. Apesar das chamas da lareira estarem bem vivas, um friozinho ainda persistia dentro da casa, o que tornava o clima quase melancólico. Ela esfregou o rosto preguiçosamente e passou uma mão pelo cabelo arisco. Seu corpo doía de um jeito maravilhoso — ainda com a lembrança forte das horas gastas com Killian.
Afastou os lençóis devagar, saindo da cama sem a menor pressa. Seu dia seria constituído de uma caminhada pela neve antes de anoitecer, ler e brigar com Lipotak. Ela não tinha mais nada para fazer.
Entrou no banheiro, saiu de dentro da camisola, e tomou um banho longo e bem quente. Cada parte de seu corpo que Apelathei tocava, a memória das mãos, da boca, do corpo de Killian a tocando voltava com toda a força. A sensação de senti-lo dentro de si, das estocadas brutas, dos sons que a gárgula mais contida que conhecia fazia... A sensação da pele úmida de suor de Killian sobre a sua, os cheiros, os sabores. O tempo mal havia passado, e ela já sentia falta da gárgula.
Terminou o banho, escovou os dentes, penteou o cabelo e vestiu uma calça jeans e uma camisa de manga longa. Saiu do banheiro e encontrou Lipotak com um copo de uísque nas mãos e os olhos presos em um livro.
— Finalmente a Bela Adormecida acorda — disse ele, ainda olhando para as páginas do livro.
Apelathei revirou os olhos e caminhou para a cozinha, escondendo um sorriso.
— Bom dia para você também.
Procurou por café, mas não achou. Procurou por alguma coisa para comer, mas não achou nada pronto. Olhou para o irmão com uma mão da cintura e uma sobrancelha erguida. Lipotak finalmente a olhou e ergueu as sobrancelhas, como se não a estivesse entendendo.
— O que foi? — perguntou.
Apelathei lutou com o autocontrole para não atirar alguma coisa pontiaguda na cara cínica do irmão.
— Você come como se estivesse morrendo de fome e não tem coragem de fazer nada para repor no lugar do que comeu?
O demônio mais jovem passou uma mão pelo cabelo e fechou os olhos, respirando fundo.
— Muito trabalhoso...
— Muito trabalhoso? — Apelathei praticamente rosnou. — Não seria você muito cara de pau?
Lipotak abriu os olhos arregalados e deixou o queixo cair com a melhor cara de ofendido que conseguia fazer.
— Você está sendo uma tirana.
— E você é a porra de um preguiçoso.
No instante em que Lipotak abriu a boca para responder, o telhado da casa explodiu. Cada um foi arremessado para um lado. Lipotak acertou a janela com força, fazendo cacos de vidros saírem voando, junto com a madeira das portas da janela, e o concreto em volta dela estremeceu, cedendo e abrindo um buraco na lateral da casa. Apelathei foi lançada contra os armários da cozinha, chocando as costas com força na madeira e aço, amassando e destruindo tudo. A cabeça do demônio bateu com força na parede — rachando o concreto — e a visão dela ficou escura por alguns instantes.
Gosto de bile tomou conta da boca de Apelathei enquanto ela lutava para recuperar o ar, ainda largada no chão. Seus ossos praticamente gritavam em protesto pela dor, mas sua pele felizmente não estava rasgada — exceto por um ou outro corte superficial pelo corpo e rosto. Ela abriu os olhos com dificuldade, percorrendo a casa com o olhar, à procura de Lipotak. Sua preocupação com seu irmão se sobressaía à sua preocupação consigo mesma. Seus olhos vasculharam a casa três vezes — e na terceira ela desejou não ter olhado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Guerra dos Celestiais
RomanceReze pelo Inferno. Não há aleluia. Anjos versus demônios. Gárgulas versus bruxas. Lobisomens versus vampiros. Uma guerra mais antiga que o tempo não é nada se comparada à guerra de dois corações que se negam a aceitar o óbvio: eles precisam um do ou...