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Ela parecia fria. Mais fria do que os outros demônios. Provavelmente era, mas não dizia. Ela não dizia nada, nunca. Preferia que eles mesmos decidissem por si só o que ela era. Apelathei não falava sobre o passado, e isso deixava os outros demônios curiosos. O que, de tão grave, aconteceu com ela para que nunca falasse sobre como era no Céu? O que realmente fez com que ela, Lúcifer e muitos outros fossem expulsos da "Grande Casa do Senhor"?

O chofer abriu a porta da Mercedes e ela saiu. Os saltos altos pretos, as meias, o vestido lápis e o casaco preto cobriam o seu corpo pálido cor de café com pouco leite.

Ela olhou em volta, para as pessoas na fila da boate. Odiava boates, mas a reunião havia sido marcada pelos vampiros, portanto, eles escolhiam o lugar para o encontro. Teria preferido alguma mansão vitoriana, estilo das bruxas, mas não pôde opinar na questão.

— Não vá embora, James. Eu volto em alguns minutos — disse ela ao chofer, e ele acenou com a cabeça, concordando.

Apesar de parecer mais fria do que os outros, ela gostava de conviver com os humanos. Todos eles cheiravam a pecados e luxúria, e isso a divertia. Isso a lembrava que mesmo sendo tão ingênuos e influenciáveis, eles aproveitavam tudo o que a vida lhes proporcionava. Não podia dizer que sentia inveja, porque não sentia. Eles tinham tudo aquilo, mas também tinham a mortalidade. E ela era velha demais para querer morrer. Estava viva desde muito antes dos humanos, muito antes da criação deles. Viu o nascimento de tudo e a queda de tudo — e todos — também. Sabia de mais coisas do que qualquer humano vivo ou morto.

Apelathei caminhou entre as massas de corpos humanos e vampiros suados e pegajosos, mas nenhum deles chegou perto de tocá-la. Pareciam saber que ela era diferente deles, mas somente os vampiros realmente sabiam.

Ela olhou em volta, vendo os humanos beberem álcool, e os vampiros beberem o sangue dos humanos. Já nem se surpreendia mais quando via os vampiros se alimentando em público. Afinal, eles eram os filhos rebeldes do mal. As bruxas, às mimadas — e os demônios, os cruéis. Todos eles caíram do Céu, mas os que existiam hoje eram aqueles nascidos na Terra. Não havia mais vampiros vindos do Céu nem bruxas, apenas demônios — e Apelathei era um deles.

Um vampiro com sangue escorrendo pelo canto da boca a olhou e rosnou, mostrando os caninos, como se não soubesse o que ela era.

Apelathei abriu um sorriso discreto, letal, e mostrou seus olhos laranja — olhos vermelhos eram os dos vampiros; amarelos, das bruxas; e laranja, dos demônios — e as veias pretas ao redor de suas pálpebras inferiores.

O vampiro se empertigou, sabendo agora que não devia ter feito aquilo. Sabendo que ela era mais velha, mais importante e muito mais forte do que ele. E, usando o mínimo de raciocínio, ele foi embora correndo, e apenas a mancha de sua velocidade inumana foi vislumbrada por ela.

Quando chegou ao segundo piso da boate, na sala de reunião dos vampiros, dois deles estavam parados à porta, montando guarda. Eles a olharam e se afastaram, abrindo a porta e lhe dando passagem. Ela passou entre seus corpos, ignorando-os.

A sala já estava cheia. Quatro demônios — contando com ela —, quatro vampiros e seis bruxas.

A porta foi fechada atrás dela, e o som da música eletrônica na pista de dança soou abafado do lado de dentro da sala grande e mal iluminada.

— Finalmente — disse Lipotak, outro demônio caído. Eles dois eram os únicos caídos que estavam na Terra. Os outros ainda estavam no Inferno. — Achei que você não chegaria nunca.

Um dos demônios se levantou e puxou a poltrona dela. Apelathei se sentou e olhou para todos os rostos na sala. Assim como a Lipotak, foi dado a ela o privilégio de se sentar na cabeceira da mesa.

Guerra dos CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora