Miguel

96 11 34
                                    

Apelathei andava de um lado para o outro, sentindo tanto os olhos de Killian quanto os de Lipotak sobre ela. A raiva e o medo quase trasbordavam do demônio e ela travou a mandíbula para não gritar. Queria saber como, por que e com que finalidade Miguel estava na Terra. Precisava desesperadamente gritar com alguém e quebrar alguma coisa — não na ordem colocada das palavras.

— Como? — perguntou baixo para ninguém especifico. — Como? — gritou, olhando furiosa para o irmão.

Lipotak a olhou com a cara mais lavada e cínica do mundo.

— Eu disse para você não matar Gaurel. Mas como os seus lindos ouvidos estão cheios de merda, a princesa não me ouviu.

O tapa que Apelathei acertou na face do irmão estalou pelo cômodo, surpreendendo não apenas Killian, mas parte dela mesma. Lipotak apenas cuspiu um pouco de sangue e levantou do sofá como um raio, partindo para cima dela. Killian se colocou entre os dois, dando um empurrão em Lipotak e o afastando de Apelathei. Os dois demônios estavam com sangue nos olhos, prontos para se matarem a qualquer segundo.

— Que porra foi isso? — vociferou Killian, encarando furiosamente Apelathei. — Você ficou maluca?

Ela sequer deu atenção à gárgula.

— Seu filho da puta! — gritou. — Sabia que ele viria, não sabia?

Lipotak ainda afagava o próprio rosto, sentindo na pele a força da irmã.

— Falei para você não matá-lo. Que culpa eu tenho se você não ouve ninguém além de si mesma? Que culpa eu tenho se você tem essa porra dessa mania de agir como uma criança ou uma adolescente chata e mimada que só quer fazer o que tem vontade?

— Ah, é claro — zombou. — Um aviso não teria feito porra de efeito nenhum, certo? "Apelathei, não mate Gaurel porque depois que ele morrer, um arcanjo vai vir do céu atrás de você. Ah, e esse arcanjo vai ser o mesmo que cortou as suas asas e chutou, literalmente, você do céu".

Ele começou a rir. Lipotak começou a gargalhar como se ela tivesse dito a coisa mais absurdamente engraçada do mundo. Precisou até se sentar para conseguir respirar e não cair no chão. A raiva de Apelathei foi se dissipando um pouco, mas não desapareceu. Killian continuou entre ela e o irmão, mesmo estando tão abismado quanto ela.

— Você acha mesmo que é a única que está fodida, irmã? Você por acaso se esqueceu quem foi que traiu o exército de Deus? Esqueceu quem foi que matou aliados de Miguel? Esqueceu quem foi que desertou do exército de Deus? — respirou com mais facilidade e passou os dedos pelos olhos, limpando as lágrimas. — O meu está tão na reta quanto o seu.

— Por que não me avisou antes? — indagou ela. — Eu teria sequestrado, torturado e mantido em cárcere aquele filho da puta, mas teria o mantido vivo. Evitaria a situação em que nós dois nos encontramos.

— E que situação seria esta? — perguntou Lipotak com o tom mais cínico possível.

Apelathei lançou ao irmão um sorriso irônico e zombeteiro. Ergueu as sobrancelhas e disse:

— Estamos nos cagando de medo pela primeira vez.

...

Ele arrumou a gravata — palavra completamente nova para ele — e fechou o último botão do terno preto bem cortado. Sentia-se sufocado com aquela quantidade absurda de roupas e por um momento, sentiu saudades das armaduras de ferro que costumava usar no céu. Achava extremamente fútil da parte dos humanos se vestirem como... ele não conhecia uma palavra para descrever.

Guerra dos CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora