Confronto

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A primeira coisa que ele ouviu foi o bater de asas — mas não asas normais. Soldados gritavam em todos os cantos, dizendo que era uma invasão, uma incursão dos Caídos. Isso não é possível, Damael pensou. Eles têm de ser muito corajosos ou muito idiotas de virem para cá. Só podem estar querendo morrer.

— Senhor! — um jovem anjo gritou, correndo até Damael. — Há gárgulas, anjos e muitos Caídos aqui. — O anjo parecia querer sair correndo e chorar ao mesmo tempo. — Incendiaram as saídas. Só podemos sair por cima e mesmo assim, vão nos encurralar.

Damael arregalou os olhos — de raiva, não medo — e empurrou o anjo, caminhando — correndo — às pressas para ver o que realmente estava acontecendo. Ele não morreria queimado por causa de uma armadilha de Caídos estúpidos; recusava-se a deixar-se perecer pelas mãos daquelas criaturas vis e imundas. Parou bruscamente, quase dando de cara com uma porta. Virou lentamente, olhando direito para o jovem anjo que ainda o encarava com aquele olhar de "alguém me tire daqui".

— Você disse "gárgulas e anjos"? — perguntou com uma falsa calma.

O anjo o encarou por alguns segundos, como se estivesse com medo de responder. Por fim, fez que sim com um meneio de cabeça. Desviou o olhar do de Damael.

A respiração do anjo superior passou de contida, para eufórica, até chegar à histérica. Ele deu um soco na porta, abrindo um buraco na madeira grossa. Passou violentamente as mãos pelos cabelos curtos e encarou o chão como se fosse capaz de destruí-lo com aquele olhar. Abriu a porta com a mesma violência que a socou e correu para a parte de cima da fortaleza, abrindo as portas seguintes com tanta raiva que quase as arrancava das dobradiças.

Sua raiva apenas aumentou quando viu que ele e muitos outros Descidos estavam cercados por dezenas de anjos e gárgulas. Todos armados, rostos demonstrando uma raiva que se equiparava a dele. As penas brancas dos anjos brilhando no quase breu da noite chuvosa; o concreto que formava a pele das gárgulas brilhava com causa das gotas da chuva, senão sequer poderiam ser notados.

Mas uma gárgula, uma especifica, que parecia maior que as outras, com o concreto da pele mais escuro que a das demais, aquela gárgula lhe era conhecida. Killian. A gárgula amante do demônio Apelathei. A gárgula que Damael teria o prazer de matar — e não tinha mais certeza se pretendia fazê-lo rápido. Ver aquela gárgula ali, segurando um machado de guerra que não era comum aos Descidos, olhando-o com aqueles olhos violetas, aquela gárgula tornaria aquilo muito mais divertido. O arcanjo Miguel prometera a Damael que a morte de Killian seria sua, e ele finalmente iria regozijar-se daquela dádiva.

O anjo espreguiçou o corpo, relaxando os músculos das costas, e suas asas começaram a sair. Pena por pena, elas deixaram sua pele como uma planta deixa o solo para ver o sol quando nasce. Ossos extras foram se desenvolvendo, crescendo, esticando. A pele do anjo esticou junto, dando o espaço que os ossos precisavam. As últimas penas, às das pontas, foram às últimas a deixar o corpo do anjo. A dor de expô-las compensaria quando tivesse o sangue da gárgula nas mãos.

— Espada — pediu, esticando a mão para receber a arma de um dos outros anjos. Fixou seu olhar em Killian e a gárgula o olhou de volta. Sorriu. — Abençoada seja esta noite.

...

Killian encarou o prédio agora em chamas como se não fosse nada. Conseguia ouvir dos gritos dos Descidos dentro da enorme construção. Alguns gritando em agonia por causa das chamas, outros gritando de medo pelo que sabiam que viria.

A gárgula sabia que uma incursão seria algo arriscado demais, mas Apelathei havia lhe aconselhado — gritado pelo telefone, mais precisamente — que a melhor defesa seria um ataque. E ele estava mais do que disposto a matar aqueles desgraçados. E Apelathei, sendo ou não uma das criaturas mais impulsivas que ele já conhecera, era uma boa estrategista. Juntos, combinaram que a melhor forma de acabar com pelo menos uma parte do exército de Miguel seria: acuar o inimigo, deixá-lo vulnerável e abatê-lo em seguida. Queime as saídas, assim como eles fizeram com as escolas das bruxas, o demônio havia dito. Deixe que a fumaça, que seja, de preferência, tóxica, mate os mais fracos, e depois dê cabo dos mais fortes você mesmo.

Guerra dos CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora