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*Demorou um pouco, mas eu tô de volta. E, como prometido, capítulo inédito pra quem ainda não desistiu de mim.

Aproveitem!*


Dezenas de ossos quebrados, órgãos perfurados e amassados, os dois olhos cegos por algumas horas, um ombro deslocado, e o infame fêmur partido em dois lugares diferentes. O corpo de Lipotak mais parecia o de uma maldita marionete, solto em alguns lugares para que os fios de controle pudessem fazê-lo se mexer da forma que o grande criador desejasse.

Tudo o que o demônio queria era gritar e quebrar tudo o que estivesse à sua volta, mas até mesmo um suspiro o fazia sentir dor. Sua pele parecia não ser mais sua; seus ossos pareciam estar todos fora do lugar — e alguns realmente estavam — e sua garganta estava praticamente em carne viva.

Porém, de alguma forma, ele estava muito melhor do que antes, quando fora encontrado debaixo dos destroços do que um dia havia sido uma casa de cinco cômodos. Graças às bruxas de Sagara, agora ele pelo menos conseguia gemer quando sentia dor, conseguia ranger os dentes — mesmo moles —, conseguia sentir raiva de si mesmo.

E seus ouvidos — apesar de os tímpanos terem estourado algumas horas antes — estavam funcionando muito bem, porque ele ouviu com perfeição quando monstros de pedra pousaram no chão do casarão em Moscou. O som de asas — tanto de concreto quanto de penas — batendo também não lhe passou despercebido.

Uma porta foi violentamente aberta — e ele podia jurar ter ouvido a pobre madeira largando as dobradiças, quase se curvando de medo.

— Como isso aconteceu? — A voz de Killian parecia a de um monstro, apesar de Lipotak saber que ele já estava em sua forma humana.

— Acho que você faz alguma ideia — resmungou, abrindo os olhos devagar e encarando um vulto alto, pálido e borrado à sua frente. — Eu, obviamente, não estava preparado para a visita surpresa de Miguel.

Um gosto forte de ferrugem tomou conta de sua boca, e ele se deu conta de que mordera a própria língua. Rosnou para si mesmo e engoliu discretamente o próprio sangue.

— Como você sobreviveu a Miguel e por que apenas ela foi levada? — A pergunta da gárgula era mais uma acusação do que realmente uma pergunta.

Lipotak abriu os olhos de uma vez, ignorando a ardência das íris, e se esticou para frente, apontando um dedo para o rosto — agora mais nítido — furioso de Killian.

— Eu acho bom você pensar muito bem em como vai falar comigo, seu filho da puta — rosnou. — Se eu sentir, por uma porra de segundo sequer, que você está me acusando de trair a minha irmã, nem que eu morra no processo, eu vou arrancar a sua maldita língua da sua boca e vou enfiá-la no meio do seu cu.

A expressão de Killian não vacilou, assim como nenhum sinal de arrependimento passou por seus olhos.

— Como? — repetiu suavemente a gárgula, sem deixar o tom acusatório menos aparente. — Por que você está vivo e ela está com ele?

— Porque não era a mim que ele queria. — A voz do demônio quase não saiu. Ele engoliu em seco, xingando a si mesmo mentalmente, e fungou. — Miguel estava cagando para a minha vida. Ele só queria Apelathei.

O ar acusatório e frio de Killian vacilou por um momento quando viu uma lágrima ácida descer pelo canto do olho de Lipotak. O demônio limpou-a rapidamente, escondendo o lado ferido do rosto da visão da gárgula. Não queria a pena de Killian — nem de ninguém.

Guerra dos CelestiaisOnde histórias criam vida. Descubra agora