Numa casinha humilde morava um casal e sua filha de um ano, Evelin, uma adorável menina loira e robusta para a idade. Aquele era um lar amoroso que a tempo não conhecia tristeza, até que um rigoroso inverno caiu sobre eles, mais rigoroso do que eles podiam aguentar.
Assolada pela fome, a casa já não era tão feliz e Evelin não era tão robusta. Cansado disso o homem decidiu trazer algo de comer para a sua família custe o que custar, então saiu de sua vila rumo ao grande casarão que havia colina acima onde diziam habitar um demônio cheio de posses. Ele não sabia como e nem o quê, mas estava decidido a roubar algo de lá.
Era uma casa enorme e rochosa, coberta com veios de ouro, envolvida por um muro alto e com um grande portão negro. Era possível ouvir lá de dentro ruídos assustadores, assobios e rosnados. O homem sentiu um frio na espinha e os pêlos de seu braço se arrepiaram com o medo, mas tendo chegado até ali, não deixaria que isso o impedisse.
Ele cavou o chão abaixo do portão com as próprias mãos até seus dedos sangrarem e finalmente conseguiu entrar. Havia uma grande fonte e várias estátuas de mármore no jardim que tinha flores das mais variadas cores e tamanhos, aquelas eram flores únicas que o homem nunca tinha visto e todas tinham espinhos afiados, mas não eram a coisa mais impressionante daquele jardim. Lá também havia uma árvore com vários frutos multicoloridos que refletiam a luz da lua, perfeitamente redondos e com um cabo dourado, aqueles também eram frutos desconhecidos aos olhos de qualquer um. Era estranho como um jardim tão belo e cheio de cores podia ser o lar de um demônio, mas não havia dúvida de que mesmo com toda beleza aquele lugar era sim muito medonho de alguma forma.
Ele tentou ser o mais silencioso possível, mas toda vez que pegava um fruto as folhas da árvore se balançavam e entregavam sua presença, então optou pela rapidez ao invés do silêncio e colocou a maior quantidade possível em seu saco o mais rápido que pôde. Quando já carregava o máximo que conseguia ele ouviu os latidos vindos dos fundos. Não eram os latidos de um único cachorro, mas no mínimo três. O homem correu até o portão e jogou o saco por cima dele, a essa altura já ouvindo os passos correndo atrás dele. Quando se abaixou para se esgueirar pelo chão já haviam ao menos duas feras o alcançando, uma lhe mordeu na costela arrancando um pedaço de sua blusa, mas não conseguindo agarrá-lo, a outra por pouco não lhe pegou pelo pé antes que ele conseguisse se arrastar pra fora da casa.
Segundos depois os outros cachorros chegaram, seis ao todo. Seis cachorros gigantes com orelhas pontudas e olhos amarelos. Grandes demais para conseguir passar pro lado de fora. Sem gastar muito tempo, o homem pegou seu saco com os frutos roubados e correu deixando para trás os latidos e rosnados.
- O que é isso? - a mulher perguntou em choque para seu marido olhando para o ferimento ensanguentado em sua costela. Só ao chegar em casa ele se deu conta de que era mais grave do que pensava. A mordida tinha sido forte o suficiente para arrancar um pedaço de sua carne.
- Eu trouxe isso da casa no alto da colina - ele jogou o saco em cima da mesa. - Comam.
- Preciso tratar disso antes, sente-se - ela disse e assim o marido fez.
Após a esposa limpar seu ferimento e colocar uma atadura, o homem adormeceu ali mesmo, sentado na cadeira, tão exausto que estava. Quase ao mesmo tempo em que ele dormiu, a filha acordou e sua esposa cortou os frutos coloridos e dividiu com a menina.
O homem acordou com um baque na mesa seguido do choro de sua filha. O som vinha de sua esposa caindo, um pedaço do fruto ainda na mão. Ele não acreditou no que viu, passou alguns segundos olhando a esposa e ouvindo o choro cada vez mais alto, lentamente se aproximando e ficando ao lado dela, checou seus pulsos e não sentiu nada. Tirou a filha de cima da mesa e segurou no colo abraçando com força. Ela também tinha comido, o que ele tinha feito? E então os latidos, de novo os latidos. Por um momento ele achou que o som era coisa de sua cabeça até que alguém bateu à porta.
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Era dos Contos
FantasyEra dos Contos é uma releitura de contos clássicos dos irmãos Grimm e poemas épicos, todos passados em um universo de fantasia, mas aqui a história não acaba no felizes para sempre e nós acompanhamos os personagens durante todas as suas vidas, então...