Amélia - Parte II

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Mesmo com o final da noite tendo sido um desastre, Amélia havia vivido os melhores momentos de sua vida naquele baile. Porém o sentimento de felicidade não lhe era familiar e foi pouco a pouco sendo engolido por culpa e vergonha. Aquele não era seu lugar e tanto a princesa quanto Daidai apenas sentiam pena dela, era o que pensava Amélia.

Por que motivos uma princesa bonita e letrada acharia interessante uma mulher que nunca fez nada da vida além de trabalhar e ser ridicularizada? Não só o motivo de Gisele ter lhe dado tanta atenção era um mistério, como também que tipo de atenção era aquela.

E também, é claro, havia aquela revelação sobre a lei da viúva, que levantou em Amélia uma suspeita. Tudo parecia confuso. Cada pensamento que Amélia tinha sobre os eventos que viveu no baile eventualmente se tornavam devaneios e ela se sentia louca por imaginar tais coisas.

Foi de tanto matutar que acabou dormindo muito tarde e perdendo a hora de acordar. Acordou com um balde de água malcheirosa lhe sendo jogada no rosto.

- Uma noite de farra e já esquece que tem de trabalhar? - berrou Eleonora para Amélia, que, recém desperta, sentou-se na cama com o susto da água invadindo suas narinas. - O que está esperando? - dessa vez agarrou-lhe pelos cabelos e a levantou à força.

- Ai! Está me machucando! - protestou Amélia inutilmente, já que sua madrasta apenas a agarrou com mais força. Ela por sua vez cegamente revidou, arranhando o rosto da mais velha. Finalmente foi solta.

- Como se atreve? - Eleonora passou a mão no rosto por cima do arranhão. - Você é uma vergonha para essa família.

- Com licença, eu vou trabalhar - Amélia tentou ignorar e saiu do quarto, passando ombro a ombro pela madrasta em direção a cozinha, onde a porta de seu quartinho miúdo dava. Eleonora foi atrás, ainda vociferando suas palavras.

- O seu show ontem a noite envergonhou tanto a família real que eles encerraram o baile mais cedo por sua causa. Um vexame! Sem contar aquela sem vergonhice sua com a princesa, quem você pensa que é? - as vozes elevadas acabaram chamando a atenção de Rosa, que saiu do seu quarto e foi ver o que estava acontecendo. Ela dormia em um quarto maior no andar de baixo, enquanto Eleonora, Margarida, o marido e o filho dormiam no segundo andar.

- Quem você pensa que é? - Amélia retrucou. - Eu fui convidada, me quiseram lá. Você foi porque deixei, você pertence àquele lugar ainda menos do que eu. Agora eu vejo, com toda a clareza do mundo, o quão pequena e patética você é - decidiu ofender bem aonde doía. Amélia sabia como ninguém o quanto Eleonora desejava pertencer a uma classe que nunca fez parte. Se lembrava na infância de vê-la praticando no espelho como falar igual ao povo da capital. Empinava o corpo, estufava o peito e falava as palavras enunciado com clareza em cada sílaba, em especial quando acrescentava uma nova palavra difícil ao seu vocabulário, como "primaveril" ou "obstante". Eleonora rebaixava a enteada porque precisava ser superior a alguém e Amélia finalmente entendeu que se impor daquela forma era como jogar sal em suas feridas.

- Você vai ver só... - Eleonora grunhiu enquanto avançava em direção a Amélia, e Rosa ao perceber a intenção da agressão se pôs a tentar apaziguar. Mas o barulho de batidas na porta interrompeu o conflito. Fez-se silêncio e as três ficaram imóveis por uns instantes, e Amélia foi atender a porta, antes que recebesse a ordem para fazê-lo, pois não aguentaria receber uma ordem naquele momento.

Quando viu a própria princesa na porta, ficou tão surpresa que esqueceu de fazer uma reverência ou sequer cumprimentá-la, apenas a olhou, confusa.

- Trouxe de volta o seu sapato - Gisele quebrou o silêncio e timidamente Amélia pegou o calçado em sua mão. Por cima do ombro da princesa ela viu sua carruagem e seus guardas que a acompanhavam, já que desde a guerra a moça não andava sem forte proteção. - Perdão, cheguei em má hora?

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