Bruno

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As palavras de Virgínia ecoaram pela cabeça de Bruno por dias, mas ele se recusou a acreditar que aquilo não passava de devaneios de uma mente velha e cansada tomada pela demência. Também não acreditou que sua hereditariedade seria questionada com a renúncia de seu tio à coroa. Quando a hora chegasse, de um jeito ou de outro ele quem iria assumir.

Mas para que a rainha não pudesse dizer que ele não tentou, Bruno encomendou uma réplica de passarinho de ouro puro, que cabia na palma de sua mão, uma linda peça com detalhes delicados. Fez questão de ao menos ordenar uma obra bem feita e por alguém de confiança.

Ao lado da ourivesaria havia uma taverna que ele não conhecia, e quando ele foi buscar seu passarinho dourado, decidiu entrar para ver como era o local, que era recém inaugurado, mas que já chamava a atenção pelo barulho que fazia lá dentro.

O príncipe andava bebendo e apostando em demasia nos últimos meses e naquela taverna encontrou ambos os remédios que andava usando para aliviar sua dor. Ao beber ficou animado, flertou com moças e ofereceu-se para pagar bebidas para qualquer um.

Em uma das mesas, notou que havia um homem grande e barulhento que comemorava suas vitórias na dama rubra, aquilo chamou sua atenção mais do que qualquer bebida ou qualquer moça.

- Vamos lá! Quem é o próximo? - o homem vociferou aos risos e Bruno se levantou de imediato

- Eu. - Sentou-se na mesa, tinham outros três olhando o jogo, e o homem que havia vencido todos eles era gordo e muito peludo, exceto pela cabeça que não tinha nem um fio de cabelo. Ele tinha um bigode escuro que quase tapava sua boca e usava uma blusa de manga comprida.

Foi dada a primeira mão de cartas. As regras da dama rubra eram simples: as cartas eram numeradas em duas cores, o rubro e o negro, e entre as cartas rubras havia a dama. Ao fim do jogo, os jogadores tinham quatro cartas na mão e quanto maior a sequência, maior a pontuação, porém existia no jogo o dobro de cartas negras e elas valiam mais do que as rubras, mesmo que sua sequência fosse maior, mas tendo três cartas rubras e mais a dama, não era necessária sequer uma sequência para vencer praticamente qualquer combinação de cartas.

Bruno conseguiu terminar a primeira partida com uma perfeita sequência do três ao seis negros, mas seu oponente tinha a dama rubra e venceu. Jogou mais uma e perdeu, novamente seu oponente tinha a dama, mas na terceira Bruno conseguiu vencer. Ele comemorou com risos altos e provocações, além de dar um grande gole no seu rum.

- Por que não deixamos as coisas mais interessantes? - propôs o homem. O príncipe sabia do que se tratava e não era capaz de negar. Não era a primeira e nem a segunda vez que ele se via tentado a apostar, e embora tenha resistido algumas vezes, ultimamente andava falhando.

Se sentindo confiante por ter vencido uma vez, aceitou apostar as moedas que guardava consigo, apenas para perder e perder mais ainda, acabando por aumentar cada vez mais as apostas. Quando saiu da taverna tinha perdido não só suas moedas e o pássaro de ouro como também outro item ainda mais inestimável.

- Você apostou o arco do seu pai?! - Rosa gritou com ele quando ouviu a história. Bruno a visitava sempre e os dois às vezes até iam juntos para as tavernas, mas com os jogos e as apostas a amante do príncipe não estava de acordo e se recusava a acompanhar.

- Eu sei que fui idiota, não precisa fazer com que me sinta pior - murmurou o príncipe, que ainda estava bêbado e agora choroso e confuso. Estava deitado no colo de Rosa, os dois no sofá. Era pra lá que ele ia quando se sentia mal e era com Rosa que ele fazia o mais próximo que conseguia de desabafar - O que devo fazer? Ninguém da minha família pode saber.

- Muito pelo contrário. Você deve contar ao seu primo ou a sua irmã, pedir ajuda para reaver suas coisas - Rosa disse, mas o príncipe ignorou, ela então pegou em seu rosto e o virou para cima, voltado para si e olhando nos seus olhos. - Não é apenas o arco, Bruno. Você precisa de ajuda e eles são sua melhor opção.

- Não quero mais falar sobre isso. Deixe-me dormir ou vou embora. - Rosa não insistiu mais, vendo a raiva e a teimosia de seu amado, porém mais raivosa e teimosa era ela, que no dia seguinte foi a tal taverna se informar sobre quem era aquele homem que ganhara de Bruno nas apostas, e depois de conseguir algumas informações se dirigiu até a casa da irmã Amélia, esperando encontrar a princesa Gisele lá, com sucesso. Contou para ela o ocorrido.

- Meu irmão é um tolo - a princesa limitou-se a dizer.

- O homem que venceu seu irmão no jogo se chama Horácio, dizem que todos sabem que ele trapaceia, e quem não sabe, percebe quando joga com ele. Exceto pelo tolo do seu irmão, é claro. - Gisele massageou as têmporas enquanto pensava no que fazer. Se informou mais sobre Horácio, o local da taverna e o tamanho do prejuízo antes de pedir licença e sair apressada para resolver o problema.

Não podia deixar para outro dia, pois o povo comum não sabia das propriedades mágicas do arco de seu pai, nem mesmo Rosa, e a qualquer momento esse segredo poderia vir à tona, bastava o homem atirar com a arma. Tinha de recuperá-lo antes que isso acontecesse.

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