Rebeca

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A princesa Virgínia se casou aos dezesseis anos com o primo de seu irmão, Jay, um rapaz com quem ela brincava na infância, mas foi só aos vinte e cinco anos que Virgínia deu à luz a sua primeira e única filha.

Rebeca era muito próxima de seu pai, e ambos eram vítimas do ego da rainha. O rei consorte tinha que ser constantemente diminuído através de protocolos, pois sendo mulher, Virgínia temia que sua autoridade fosse posta em questão e o povo considerasse Jay o verdadeiro rei. Ele sempre andava alguns passos atrás dela em público, se sentava apenas depois que ela se sentava e devia terminar suas refeições quando ela terminasse quando comiam juntos, dentre outras coisas.

Entre o tempo que Virgínia se casou e assumiu o trono, o reino de Caisafi foi tomado pelo Império de Kudran, um grande império nadeeísta que ocupava maior parte do continente, e apesar de nunca ter tido muita proximidade na sucessão ao trono, Jay agora nem mais fazia parte de uma família real, e maioria de seus parentes se encontravam mortos, exilados ou presos.

O tio avô de Rebeca, Léo, serviu como conselheiro de todos os monarcas que existiram até então na história de Querates e faleceu acometido pela velhice, aos noventa anos de idade. Logo após o funeral, a rainha, a rainha mãe, o rei consorte e a princesa lamentaram juntos e trocaram histórias sobre o falecido.

- Creio que eu deva ao tio Léo minha existência, já que foi dele a ideia de casar meus pais - a princesa comentou.

- Sim - a rainha concordou. - E eu detestei a ideia a princípio. - ela riu olhando para o marido. Jay era um homem gordo e baixo, tinha um rosto bem redondo e seus cabelos escuros eram bem finos e estavam começando a cair. Muito simpático e bem humorado, com o tempo ele caiu nas graças da rainha, mesmo com o casamento arranjado.

- Mas acabou tudo bem - Jay disse. - Eu confesso que fiquei eufórico quando fomos prometidos um ao outro.

- Eu também opinei na questão - Ana interviu. Agora que já passava dos sessenta anos, a mulher tinha os cabelos ruivos embranquecidos e havia perdido o ar de ingenuidade que possuía antes de lamentar tantas desgraças. Ela era resiliente, aquilo ninguém podia negar, e depois da morte do filho e do marido, passou a ter participação mais ativa nas decisões do reino, como regente até que Virgínia tivesse idade, e então como conselheira. - Ela tinha a sua idade na época, Rebeca - completou olhando para a neta.

- Mãe, agora não - Virgínia disse a repreendendo com o olhar ao perceber onde ela queria chegar.

- O quê? - Rebeca indagou ingenuamente.

- Antes de meu tio falecer, ele, sua mãe e eu estávamos discutindo sobre o par perfeito para você e já havíamos chegado a um consenso - Ana ignorou a repreensão da filha.

- E ninguém pensou em me incluir na questão? - Rebeca perguntou indignada. Não era uma menina fácil de se lidar, era teimosa, debochada e indecorosa. Se vestia de maneira reveladora de mais para o gosto da corte e já havia sido repreendida inúmeras vezes por sua boca suja. Ela tinha a pele morena e os cabelos de um castanho bem escuro e comprido que chegava até a parte inferior das costas, o usava quase sempre trançado e ornamentado com redes enfeitadas com ouro, prata e pedras preciosas.

- Íamos te contar num momento mais apropriado - Virgínia disse ainda com um olhar firme para Ana, mas ainda sem sucesso em sua reprimenda, pois a rainha mãe era mestre em ignorar.

- E quem é esse tão maravilhoso partido?

- Ele é um príncipe valastão - respondeu a rainha. O Reino de Valástia era conhecido por ser muito religioso e era o lar ancestral do epifratismo, além também de ser onde surgiu o revisionismo. Lá o conflito entre as duas vertentes era mais intenso que em qualquer lugar no mundo e o rei que estava no trono naquele momento era um epifratista tradicional e ortodoxo. A família da princesa acreditava que ao se unir a um príncipe de valores morais tão elevados sua imagem ficaria mais limpa.

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