Os Primos

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- Como ele pôde!? - Hugo exclamou ao ouvir a história.

- Não há tempo para questionar o tamanho da imbecilidade de meu irmão - Gisele respondeu assertiva. - Eu irei tentar encontrar o homem e recuperar o arco na aposta, peço que me acompanhe apenas para minha proteção - pediu ela. Não se sentia segura de entrar só em uma taverna.

- E como pretende ganhar? Não disse que o homem trapaceia?

- Sou excelente jogadora e sei que ele esconde a dama na manga, mas dois pares vencem uma dama. É só eu jogar com esse plano desde o princípio - era verdade que Gisele era muito boa em jogos de carta, especialmente devido a sua habilidade com números e sua boa memória.

- Isso é muito arriscado, eu irei te ajudar. - Sua prima assentiu e eles se apressaram em direção a taverna.

De fato, Horácio estava lá. Se vangloriando com seu arco, rindo e debochando do príncipe. Ele também tinha em mãos o passarinho de ouro. Hugo notou que apesar de ter o arco, ele não tinha flechas, o que indicava que talvez não tivesse atirado ainda com ele. Aquilo o aliviou pelo menos um pouco, já que se o homem soubesse que o item era mágico não aceitaria apostá-lo.

- Ora, ora. Este lugar está muito bem frequentado - Horácio disse ao ver a princesa, a olhando como se fosse um pedaço de carne, chegando a lamber os beiços. Estava sentado na mesa em que sempre se sentava.

- Gosta do que vê? - Gisele perguntou provocativa.

- Gosto de ver, mas iria preferir tocar - disse ele se levantando e indo em direção a Gisele. Hugo se preparou para se pôr diante da prima e defendê-la, mas ao notar o movimento, Gisele sutilmente tocou em seu braço para impedi-lo, indo também de encontro à Horácio.

- Pois bem, eu tenho uma proposta - ela disse enquanto tocava o peito do homem com o dedo indicador. - Se me vencer numa partida de dama rubra, serei toda sua.

- Feito! - o homem disse sem pestanejar, já totalmente seduzido pela moça.

- Calma aí, grandão, e se eu ganhar? Quero escolher também o meu prêmio.

- É claro.

- Hum... deixe-me pensar - ela pôs o dedo no queixo com uma inocência fingida, olhando em volta procurando algo como se já não tivesse visto o que queria. - O arco! - apontou e então Horácio hesitou.

- Um arco? O que uma dama como você faria com tal coisa?

- O arco ou nada feito. - Gisele deixou mostrar um pouco a perda de sua paciência. Horácio então a olhou de cima para baixo como quem avaliava o seu valor, ela se forçou a manter uma expressão neutra mesmo que estivesse enjoada.

- Feito.

Depois de pedirem suas bebidas, se prepararam para jogar. Gisele tinha um cálice de vinho à sua frente e Horácio um caneco de cerveja. Hugo não pediu nada, apenas se pôs de pé ao lado da mesa para observar.

Quando Horácio começou a embaralhar as cartas, Hugo notou que ele colocou uma carta na manga de sua blusa, só podia ser a dama. Olhou para Gisele e depois apontou com a cabeça para seu cálice. A princípio a princesa não entendeu, mas quando o primo apontou com mais ênfase e fez um gesto com a mão como se segurasse algo e jogasse para frente, ela compreendeu e derrubou o cálice derramando o vinho pela mesa.

No susto, Horácio levantou os braços enquanto olhava distraído para o conteúdo derramado, foi nesse breve momento que Hugo, que usava as luvas mágicas de sua mãe, tirou a carta da manga do homem, com as mãos tão leves e velozes que ele não viu ou sentiu coisa alguma.

- Olha o que você fez! Quase que molha as cartas! - Horácio gritou, e logo em seguida a moça que serviu as bebidas apareceu com um pano e limpou a bagunça. Gisele apenas se desculpou, e eles continuaram de onde pararam.

Hugo se aproximou mais da prima e discretamente colocou a carta em seu colo, novamente apontou com a cabeça para avisá-la onde olhar. A princesa não conteve um pequeno sorriso com o canto da boca. Já Horácio tentava disfarçar enquanto distribuía as cartas quando notou que aquela que daria para si mesmo não estava mais na sua manga.

O homem não disse nada, apenas agiu normalmente. Distribuiu quatro cartas para ele e quatro para Gisele, pôs uma fileira com quatro cartas viradas para baixo no centro da mesa, e abaixo outra fileira, com três cartas, e por fim, com as cartas restantes, fez um monte de compras.

- Primeiro as damas - disse ele.

No turno de um jogador, a primeira coisa que ele fazia era comprar a carta do topo do monte de compras. Em seguida, ele tinha três opções: jogar a carta fora, virada para baixo em uma das fileiras do centro da mesa, ficar com a carta e jogar fora uma de sua mão, ou substituir por uma das cartas no centro da mesa e jogar fora outra de sua mão. Feito isso, o jogador virava uma das cartas do centro da mesa para cima e passava a vez. Isso permitia que no decorrer do jogo se pudesse comprar uma carta já conhecida.

O jogo acabava quando o monte de compras se esvaziava, o que acontecia quando cada jogador jogava oito vezes, ou quando um dos jogadores anunciava ter a dama rubra acompanhada de três outras cartas de mesma cor, que era o que Gisele pretendia fazer. Durante o jogo, ela fez o seu melhor para calcular as probabilidades de seu adversário estar à sua frente.

Gisele ficou tensa quando deduziu que Horário já possuía ao menos um par enquanto ela ainda precisava de uma carta para completar sua mão, mas essa tensão não durou muito, pois logo no turno seguinte conseguiu o que precisava, calculando que havia mais ou menos cinquenta por cento de chance do homem à sua frente ter conseguido vencer.

Eles baixaram o jogo ao mesmo tempo, Gisele com a dama rubra e um sete, um dois e um três da mesma cor. Horácio tinha dois cincos, um seis e um oito, sua mão não valia nada. Ele se enfureceu e bateu com os punhos na mesa ao ver o resultado.

- Vocês trapaceiam! - vociferou enquanto se levantava da cadeira e ia em direção a Gisele. Hugo dessa vez a defendeu e se pôs cara a cara com o homem que era ainda maior que ele, mesmo que o próprio já fosse alto.

- Nós fomos tão honestos quanto você. Agora passe o arco, se não for por bem será por mal - Hugo estava bem próximo a ele quando disse, o peito de ambos por pouco não se encostando, o príncipe com um olhar ameaçador e o homem com as sobrancelhas arqueadas, ponderando se partiria para briga.

- Levem. Não tenho uso para essa coisa mesmo, teria ainda que comprar a aljava e as flechas - Gisele pegou o item sem sequer olhar para Horácio e se retirou, os dois homens se encararam por mais alguns segundos antes que Hugo saísse também.

Com o orgulho ferido, o ávido frequentador daquela taverna recém inaugurada riu e debochou desdenhando do item de pouco valor, já que ele tinha ganho também um pássaro de ouro puro na noite anterior. Mas ao tatear os bolsos notou que este também havia sumido, já que Hugo o surrupiou enquanto o enfrentava.

Mais tarde Gisele encontrou com o irmão e deu um merecido sermão no rapaz. Apesar de dizer repetidas vezes que ele não merecia a relíquia do pai, acabou devolvendo o arco, não sem antes fazer Bruno jurar, sob ameaças, nunca mais apostar novamente.

Já Hugo, quando mal tinha se recuperado da tensão, foi tomado por outra ao receber uma carta da Valástia. Estava sozinho em seus aposentos quando abriu.

"Caro Príncipe, desde que nos encontramos no cemitério eu tenho pensado em você. Nosso encontro foi breve, mas foi suficiente para que eu criasse afeição por Vossa Alteza.

Por isso não pude deixar de escrevê-lo quando soube o que soube. Devo lhe alertar de que corro sérios riscos ao enviar-lhe esta carta. Não me é permitido me corresponder com ninguém e tive que recorrer a subterfúgios para conseguir, e o conteúdo do que irei dizê-lo não deveria chegar aos seus ouvidos.

Os destroços do navio onde estavam seus pais e seus tios foram encontrados na costa da Valástia junto aos restos mortais deles, nas terras de um dos sobrinhos do rei, Afonso. Houve discussões, Afonso queria informá-lo, mas o rei ordenou que ele enterrasse os corpos como indigentes.

Pensei que merecia saber. Meus pêsames, sinto muito por suas perdas.

Com carinho, Dolores."

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