Por conta do luto, o rei acabou se excluindo, querendo a companhia somente de Gael, que passou a dormir na mesma cama que ele. Hugo se tornou paranóico e queria saber dos sonhos de Gael todos os dias. "Você sonhou com a morte?", ele perguntava às vezes, ou "Você sonhou com a minha morte hoje?", quando estava se sentindo indisposto por qualquer motivo que fosse.
Dormindo juntos todas as noites, os dois ficaram ainda mais íntimos do que já eram e o laço entre eles ficou inquebrável. Ficar juntos os deixava mais confortáveis e livres de estresse e havia dias em que eles mal saíam dos aposentos do rei. Em um desses dias Bruno entrou sem aviso no quarto alegre e sorridente, pegando Hugo e Gael deitados nus e abraçados.
Bruno não esboçou reação alguma, apenas continuou sorrindo enquanto o irmão levantava apressadamente em busca de um roupão e Gael se cobria com o lençol.
- Quem te deixou entrar? Você não pode aparecer assim sem aviso - Hugo reclamou enquanto se vestia.
- Mas é claro que posso, eu sou seu irmão! E trago boas notícias, Navina está grávida!
- Meus parabéns! - Hugo abriu um sorriso que não se via a semanas e abraçou Bruno.
Aquela notícia era o que o rei precisava para voltar a ser ele mesmo. Ele voltou a sair e ser visto, ainda quase sempre acompanhado de Gael, mas agora mais feliz. Ele também mostrou muita gentileza com a cunhada em sua gravidez, oferecendo toda a assistência possível para que ela não precisasse fazer esforço, deixando Navina sempre cercada de empregados.
O bebê nasceu saudável e era um menino, que recebeu o nome de Ravi, em homenagem a um dos avós de Navina. Quando ele completou um ano de vida, foi dada uma festa enorme para comemorar.
A música alta e os risos e gritaria no salão incomodavam Gael, que foi se deitar mais cedo. Hugo ficou mais um pouco, mas não demorou para querer descansar também. Enquanto ele subia para seus aposentos, flagrou, entre as escadas, Bruno e Ana agarrados um ao outro, Ana com a saia levantada e Bruno com as calças arriadas.
Ana era filha única de Teodoro, uma moça ruiva de vinte anos, que desde criança tinha sido perdidamente apaixonada por Bruno. Havia boatos sobre os dois, mas mesmo sabendo de como seu irmão era, Hugo não acreditava nesses boatos, pensando que ao menos a filha de um de seus melhores amigos ele respeitaria.
Hugo olhou com reprovação para os dois, mas nada disse, apenas continuou subindo as escadas, já Ana desceu cobrindo o rosto com as mãos e envergonhada. Bruno foi atrás do irmão, cambaleando desajeitado enquanto subia as calças.
- Ei, vamos conversar, me deixe explicar - ele pediu, e Hugo atendeu, levando os dois até um quarto vazio - Não é o que você pensa. - Bruno disse depois de fechar a porta atrás dele.
- Ah, e o que é então? - Hugo perguntou em tom de deboche.
- Eu a amo. Quero me casar com ela - Bruno respondeu enquanto forçava uma postura mais ereta, tentando se parecer mais adulto. Hugo fez silêncio por um instante e depois deu uma gargalhada.
- Você é inacreditável. Talvez tenha bebido tanto que se esqueceu que já é casado.
- Não - Bruno disse titubeando - Eu quero falar sobre isso, não planejava o fazer agora, mas eu andei conversando com Léo e nós tivemos uma ideia.
- Você andou tramando com Léo pelas minhas costas?! - agora Hugo estava mais furioso ainda. Com a morte de Teodoro, Léo assumiu o lugar dele como conselheiro e nunca havia mencionado nada sobre aquele absurdo.
- Tramando não - Bruno nunca tinha visto o irmão falar com ele daquela forma e, coberto de nervosismo, perdeu a postura que estava tentando demonstrar, mas agora não tinha como voltar atrás - Nós pensamos que você poderia chamar uma reunião no Círculo para encerrar meu casamento com Navina e me deixar livre para casar com Ana - ao ouvir aquilo Hugo suspirou e balançou a cabeça em negação, sem nem saber por onde começar o sermão.
- Seu idiota. Não é assim que as coisas funcionam, é quase impossível fazer com que aqueles homens concordem em alguma coisa. As reuniões que eles fazem quase sempre são sobre planejar festejos e ainda assim é uma grande dor de cabeça. Você saberia se participasse de alguma coisa, talvez esse tenha sido meu erro, te deixar muito solto. Você não sabe nada - Hugo disse desapontado.
- Se é tão impossível assim que eles concordem porque não convoca reunião? Eu falho e o rei tem o que ele quer, como sempre - ofendido, agora era Bruno que soava raivoso.
- Você quer saber qual é a única coisa que o Círculo concorda? - Hugo se aproximou olhando fundo nos olhos do irmão - Eles concordam que nós somos escolhidos. É apenas por isso que eles deixam as diferenças de lado e nos seguem. É um equilíbrio muito delicado e se nós agirmos com egoísmo como você quer fazer, corremos o risco de perder essa fé. Chega dessa bobagem, a resposta é não - Hugo disse e depois virou as costas para ir embora.
- E você, irmão? - Bruno gritou, fazendo Hugo parar na porta, mas sem se virar - No que você acredita? Nós somos escolhidos, ou apenas você? - Hugo ignorou a pergunta e saiu do quarto.
Passaram meses sem que os irmãos falassem um com o outro, o que não impedia que aquele assunto voltasse a chegar nos ouvidos de Hugo, pois de vez em quando Léo tentava o convencer de que o casamento era uma boa ideia. Ele não hesitava em usar a memória do falecido irmão para apelar emocionalmente ao rei. O que não funcionava, já que Hugo sabia que a ideia do casamento entre Bruno e Navina havia sido do próprio Teodoro, e ele jamais colocaria interesses pessoais acima dos interesses do reino.
Até que uma noite o rei acordou com Gael se contorcendo ao seu lado na cama, trêmulo e suando frio, proferindo as palavras com muito mais clareza do que fazia quando acordado ele disse "Quando a discórdia tornou dois irmãos rivais, o mais novo ao fugir com a menina de cabelos vermelhos caiu de seu cavalo e nunca mais levantou e o mais velho tanta culpa não suportou".
Passada a mensagem, Gael virou-se de lado e voltou ao seu sono tranquilo, não se recordando de nada na manhã seguinte. Já Hugo não pregou mais o olho naquela noite e tampouco nas noites seguintes, convencido de que ele havia sido escolhido pelos deuses para moldar o destino, e que se ele falhasse, a mesma desgraça cairia sobre ele para testá-lo outra vez. Ele havia falhado com Teodoro e agora seu irmão estava condenado ao mesmo fim, a menos que o ciclo fosse quebrado.

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Era dos Contos
FantasyEra dos Contos é uma releitura de contos clássicos dos irmãos Grimm e poemas épicos, todos passados em um universo de fantasia, mas aqui a história não acaba no felizes para sempre e nós acompanhamos os personagens durante todas as suas vidas, então...