Hugo - Parte IV

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Hugo recebeu Bruno e Léo em seu trono. Ele odiou aquela formalidade para conversar com pessoas tão íntimas, mas devido aos acontecimentos dos últimos meses, era mais eficiente uma convocação do que um convite.

Enquanto Bruno estava sério e deixando bem claro o seu ressentimento, Léo estava ansioso e agitado, como quem esperava por um conflito a qualquer momento, portanto o rei achou melhor ser direto para acabar com a tensão no ar.

- Essa manhã eu convoquei uma reunião com o Círculo para rever a situação do seu casamento com Navina - mencionar o nome da princesa causou um mal estar em Hugo, que se manteve sério mesmo quando o irmão caçula abriu um grande sorriso.

- Obrigado, Vossa Alteza - Bruno agradeceu com uma formalidade forçada e uma reverência desajeitada. Hugo se levantou do trono e se aproximou para falar frente a frente com os dois.

- Esteja pronto ao amanhecer, eles são pontuais - disse para Bruno e então se voltou para Léo - Comece agora mesmo a orientá-lo sobre como se portar na reunião, pois ao menor sinal de constrangimento eu irei dar fim a essa situação.

Na manhã seguinte Bruno apareceu pontualmente e confiante, mas ele mal conseguiu dizer nada, pois houve um falatório sem fim entre os membros do Círculo.

O Círculo era composto por quatro religiões: o epifratismo, a fé mais comum em Querates, pois pertencia aos seguidores originais de Hugo, vindos de Nosfrates, o epifratismo revisionista, que tinha o mesmo livro sagrado que o original, porém incentivava os fiéis a o lerem por conta própria e interpretarem os ensinamentos, o nadeeísmo, uma religião politeísta e muito antiga no mundo, mesmo que recente em Querates, e por fim o draoismo, a fé mais diferente das outras, pois não possuía um livro sagrado e nem nomeava seus deuses.

Os epifratistas eram absolutamente contra a separação e achavam a ideia de um segundo casamento indecorosa, os revisionistas permitiam uma separação material entre os casais, mas por não acreditarem na separação espiritual, não reconheciam um segundo casamento, os draois mal tinham regras a respeito do matrimônio e não viam problema algum na questão, já os nadeeístas eram a favor de Bruno simplesmente se casar com Navina e Ana ao mesmo tempo, pois praticavam a bigamia.

O Círculo possuía esse nome por conta da rotatividade em sua liderança, mas havia uma piada pelo reino que dizia que eles se chamavam assim porque seus debates andavam em círculos, e foi o que aconteceu, como era de se imaginar. Após horas de discussão, Hugo finalizou a reunião e remarcou outra para o dia seguinte.

Na segunda reunião, Léo estava mais preparado, e por meio de alguma artimanha conseguiu convencer Mila, uma das criadas de Navina, a admitir ter bordado o shaaham utilizado na cerimônia. Aquilo foi considerado uma grande ofensa às tradições nadeeístas, portanto eles passaram a ser a favor da anulação do casamento. Com os epifratistas e os revisionistas ainda não convencidos foi marcada uma terceira e última reunião e se ao fim dela nada fosse decidido, nada seria feito, mas como a palavra "anulação" havia sido mencionada, Bruno estava mais próximo de ganhar o caso.

E na última reunião foi Bruno quem trouxe o argumento para a anulação. Segundo ele, como Navina havia feito seus votos em uma língua estrangeira, eles não tinham validade no reino de Querates. Os votos de casamento eram tradição dos epifratistas e dos revisionistas, a única diferença era que os revisionistas assinavam um contrato antes de proferi-los. Eles tentaram rebater o argumento, mas não havia precedentes que os favorecessem e tendo que se opor a mais vozes do que antes, eles acabaram sendo vencidos pelo cansaço e cedendo a anulação.

Com o passar do tempo, a princesa Navina havia se adaptado muito bem à cultura do reino e já se portava e se vestia como uma nativa. As mulheres de Querates se vestiam de maneira muito mais modesta do que as de Caisafi, com vestidos longos e de mangas cumpridas e com os cabelos sempre cobertos quase completamente, fossem com redes ou outros acessórios na cabeça, com cores escuras e pouca presença de jóias.

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