Virgínia

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A rainha reconheceu seu sucessor quando o viu chegar com o pássaro feito de ouro no ombro. Mesmo Bruno admitiu que a ave havia escolhido Hugo e que aquilo só podia ser o destino. Eles disseram que durante toda a longa viagem a criatura os seguiu, e quando eles paravam para descansar em alguma estalagem ela desaparecia, mas logo voltava. A princípio pensaram que eventualmente ela não retornaria, mas ela apenas parava também para descansar e se alimentar.

Um pássaro feito de ouro puro não chocou Virgínia mais do que a rainha roubada, pois aquilo não havia sido antecipado em profecia e Hugo estava mais interessado em casar com ela do que na coroa que havia conquistado. Dolores alegou que seu casamento não era válido, pois não havia sido consumado. Havia rumores, todos sabiam que Carlo não era capaz de tal coisa já fazia muito tempo e Dolores garantia que podia conseguir testemunhas para atestar esse fato, mas não era necessário, já que sua viuvez logo foi anunciada.

A morte do rei causou uma série de eventos. Sua falta de herdeiros diretos fez com que pretendentes ao trono surgissem por toda a parte, e a Valástia que secretamente, mas não tão secretamente assim era a maior patrocinadora da guerra em Querates, se viu diante de sua própria guerra civil, não podendo mais incitar o caos no reino de Virgínia, então pouco a pouco a paz foi restaurada.

Dentre os pretendentes, os principais eram Afonso e Pablo, ambos sobrinhos de Carlo. A pretensão de Afonso vinha do fato dele ser filho mais velho da irmã mais velha do rei, mas os dois não se davam bem e Pablo, que era o favorito do tio, alegava que sua pretensão era mais forte por vir de linhagem masculina, mesmo que seu pai fosse mais novo que a mãe de Afonso.

Virgínia ofereceu apoio ao exército de Afonso e dentre suas condições exigiu que ele retornasse os restos mortais de Álvaro, Aelin, Ágata e Túlio para Querates, visto que eles estavam enterrados em suas terras e ele sabia aonde. O pedido foi acatado e Afonso acabou por se tornar o rei da Valástia.

Hugo e Dolores se casaram pouco mais de um ano depois da fuga e logo Dolores anunciou sua primeira gravidez, o que deixou Hugo ansioso e apreensivo devido a sua experiência anterior. Ele não saia do lado da esposa e quando o bebê começou a chutar ele passou a ser visto sempre com a mão sobre a barriga da amada, como se para checar que ambos estavam bem.

Quando Dolores estava próxima de dar a luz, a rainha convocou Hugo para uma reunião na galeria, mas não a de sempre e sim aquela que apenas ela tinha acesso e onde guardava as pinturas que Ângelo havia feito ao longo dos anos. Tinha o velho diário de profecias debaixo do braço e a chave da galeria na mão.

A mão trêmula da velha rainha teve dificuldade em fazer com que a chave encontrasse a fechadura, então Hugo, que naquele momento não usava as luvas mágicas, pousou a mão na de sua bisavó para lhe dar firmeza e abrir a porta.

- Obrigado - agradeceu, em seguida lhe entregou a chave. - É sua agora.

Não havia nada na galeria além dos quadros nas paredes, nenhum móvel ou decoração, apenas fileiras de retratos. Nem todos eram obras de Ângelo, pois alguns Hugo já conhecia. O primeiro que se via era do rei Hugo, de quem o príncipe havia herdado o nome, ele usava sua famosa pele de leão branco e a coroa forjada com os cabelos de Evelin. Ao seu lado o rei Bruno, infame por ter tomado duas esposas, mas ancestral direto da linhagem real, e então vinha uma Virgínia de trinta e poucos anos, com os cabelos ruivos e um vestido vermelho.

Era então que começavam os retratos feitos pelo homem que pintava o futuro. Dezenas de retratos de reis e rainhas que ainda estavam por nascer, toda uma era de herdeiros de Querates cujo os rostos eram conhecidos apenas pela rainha, Ângelo, e agora o próprio Hugo.

- "A rainha centenária passará sua coroa para o príncipe que lhe trouxer o pássaro feito de ouro" - recitou novamente Virgínia. - Por muito tempo eu pensei... não, eu quis que a rainha da profecia fosse a sua avó. Desejei tanto uma vida longa e próspera para a minha filha, mas Ângelo nunca me entregou um retrato dela, os anos se passaram e eu me tornei centenária depois de segurar Rebeca morta em meus braços. O futuro não se importa com o que nós desejamos. E tampouco eu recebi um retrato seu, não, a voz que nos dita as profecias é a mesma, independente de onde ela venha, acredito eu, e ela não queria que eu soubesse que você seria o meu sucessor por meio de uma pintura e sim de um sonho do oráculo do primeiro rei Hugo, décadas antes de você nascer. Bom, não se esqueça de posar para o seu tio depois de ser coroado, seria uma pena não tê-lo aqui.

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