Adam GreyRespirei fundo, sentindo aquele cheiro de maresia que me acompanhava onde quer que eu fosse. Sempre que esse dia chegava, eu me sentia pior do que de costume, mais solitário e fodido do que nunca. Não era apenas o aniversário de morte da minha mãe. Era também o dia em que eu revivia sua morte como se fosse um filme passando diante dos meus olhos em um looping infinito que me deixava à beira da loucura. Era o dia em que eu tinha que vir até o alto mar e comparecer a uma cerimônia ridícula que meu pai fazia todos os anos.
Ele selecionava os mais próximos dele e da minha mãe e os convidava para ir ao cemitério, onde todos participariam da homenagem anual a Alice Grey. Todos conversavam em volta de seu túmulo e deixavam flores, cartas e presentes. Algumas lágrimas falsas eram derramadas, um monte de palavras falsas eram espalhadas e alguns sorrisos forçados eram distribuídos. Mas a verdade é que ninguém ali se importava com ela, nem nunca se importaram. Era como as pessoas daquela cidade se comportavam: elas eram falsas e hipócritas e só se preocupavam com dinheiro, influência e sua aparência.
Olhei em volta, percebendo que todos os olhares estavam em mim, o garoto indolente. Arriscaria dizer que eu era a ovelha negra daquela cidade. Por quê? Simplesmente porque eu não fingia ser o que não era ou me importava com a opinião alheia. Eu não distribuía sorrisos e 'bom dias' falsos. Pelo contrário, eu tinha um pequeno monstro guardado dentro de mim, ele nada mais era do que meu subconsciente implorando para que eu fizesse o que queria e, às vezes, quando eu não conseguia controlá-lo, eu fazia merdas que pioravam tudo.
Agachei diante do túmulo, vendo meus sapatos afundando na grama verde do cemitério, e coloquei a tulipa branca ali. Eram as suas favoritas.
Caminhei lentamente até a sombra de uma das árvores que havia ali no cemitério e me escostei no tronco, observando aquele teatro. Tirei meu isqueiro do bolso de trás da calça e puxei o maço de cigarros da jaqueta, acendendo um logo em seguida. Inspirei a nicotina, sentindo-a se entranhar nos meus nervos, tentando aplacar o furacão interno. Mas ao fechar os olhos, sentindo o cheiro do mar e da nicotina se misturando, tudo que vinha à minha mente eram olhos azuis, os olhos dela, da mulher da noite passada.
Lentamente, o barulho da minha mente deu lugar à calmaria das lembranças da noite anterior, mas aquilo não era mérito da nicotina; era mérito único e exclusivo dela. Ainda não entendia como ela havia derrubado minhas barreiras de forma tão simples. Talvez minha alma tenha reconhecido a dela.
Duas almas quebradas e amarguradas, duas pessoas exaustas que precisavam de abrigo. Ela era tão quebrada quanto eu, podia ver isso nos seus olhos, mas não era isso que me intrigava.
Era como alguém tão machucado ainda conseguia irradiar uma luz tão intensa quanto a dela.
As lembranças foram abafadas quando o burburinho ao meu redor se tornou mais intenso. Abri os olhos, encarando as pessoas que me olhavam como se eu fosse uma espécie diferenciada.
Bufei, cansado daquele teatro macabro, joguei o que sobrou do cigarro no chão e pisei com meu coturno.
Me esgueirei entre as sombras das árvores, fugindo dos olhares. Na primeira oportunidade, corri até minha moto, que estava estacionada na entrada do cemitério, e assim que a alcancei, o ronco do motor foi a única despedida que deixei para trás. A estrada até em casa foi um borrão de pensamentos tortuosos.
Estacionei na frente da casa, tão perfeita quanto todas as outras daquela ilha. Quase como se estivéssemos em um conto de fadas, com casas bonitas, jardins, grandes portões em uma bela ilha encantada. Mas a verdade era suja e repugnante; não estávamos em um conto de fadas, estávamos presos na droga de um show de horrores onde todos usavam máscaras que escondiam as faces de monstros manipuladores e cruéis.
Passei pelas portas, sentindo que havia voltado no tempo. Era quase como se eu fosse novamente aquele garotinho com medo até mesmo da sua sombra; podia ouvir os gritos ecoando pela casa, as discussões e choros.
Subi as escadas, tentando ignorar as peças que meu subconsciente tentava me pregar.
No meu quarto, comecei a jogar roupas e pertences de volta para a mochila que tinha trazido comigo. Mas então, uma voz cortou o silêncio, fria e calculista:
— O que pensa que está fazendo? — Era ele, meu pai. Sua presença era como uma tempestade que se formava no horizonte, inevitável e destrutiva.
Eu não me virei para encará-lo, mas podia sentir seu olhar queimando em minhas costas.
— Estou saindo — respondi, minha voz firme, embora meu coração batesse forte.— Para onde pensa que vai? — ele questionou, cada palavra impregnada de autoridade e desdém.
— Você sabe para onde — escutei seus passos se aproximando. — Eu vim até aqui como você queria. Agora estou voltando para o internato. Longe de você, longe dessas pessoas, longe desta cidade.
Ele riu, um som que era mais ameaça do que humor. — Você acha que pode simplesmente sair? Você é meu filho, você me deve...
— Eu não devo nada a você — interrompi, finalmente me virando para enfrentá-lo. — Nada além de desprezo — me virei, colocando a mochila nas costas. Nossos olhares se encontraram, e eu odiei ver a mesma cor dos meus olhos estampada ali.
— Você não vai a lugar nenhum se eu não quiser, Adam, você ainda não tem dezoito — disse ele, passando a mão nos cabelos grisalhos. — Acha que eu não sei o que você anda fazendo naquele internato? — meus ombros ficaram tensos. — Eu sempre sei de tudo, garoto. Não há nada e nem ninguém que esteja fora do meu alcance — aproximou-se mais ainda, mantendo-se a apenas dois passos de distância. — Não vou deixar que arruíne o meu nome cometendo suas loucuras.
— Não foi esse o combinado! — bradei furioso, jogando a mochila na cama atrás de mim. — Você precisa, eu venho. Você mantém sua face de bom pai e marido exemplar e eu continuo me mantendo longe de você, essa é a droga do acordo!
— O combinado acaba quando eu quiser — ele retrucou. — E eu já disse, não vou deixar você jogar meu nome na lama.
— Não é sobre o seu nome — retruquei, encarando-o com desafio. — É sobre a minha vida. E eu não vou deixar você controlá-la mais. Pode continuar tentando, pode até achar que está conseguindo. Mas no final, será apenas uma ilusão sua, ou acha que eu serei menor de idade para sempre?
— Está sendo ingênuo, Adam — ele disse, com um sorriso condescendente. — Você acha que pode sobreviver lá fora sem o meu apoio? Sem o legado da sua mãe?
— Eu sobreviverei — afirmei, com mais convicção do que sentia. — E não preciso do seu dinheiro sujo.
— Ah, mas você precisa, sim — ele insistiu, com um brilho astuto nos olhos. — A empresa da sua mãe... você sabe que ela é sua por direito. E eu posso ajudá-lo a administrá-la, a fazer dela um sucesso.
— Não com você — disse, firme. — Eu farei isso sozinho.
— Como quiser — ele assentiu, exibindo um pequeno sorriso no canto dos lábios. — Boa sorte com isso — o sarcasmo era nítido e me fez borbulhar de ódio. — Como eu disse, você não vai a lugar nenhum — disse ao alcançar a porta e então olhou para mim sobre o ombro. — Já o matriculei na BLUE School, suas aulas começam amanhã. Não me provoque; você sabe muito bem do que sou capaz.
Sim, eu sabia do que ele era capaz. Mas, diferente da versão pequena e assustada que ele conhecia, eu não o temia.
Continua...
🌹
Espero que tenham gostado do capítulo!
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Sentimentos Proibidos : Sendo reescrito
RomanceSienna Cameron vive uma vida de aparências, lutando diariamente para manter a fachada de perfeição enquanto enfrenta um casamento abusivo e a responsabilidade de criar seu filho. A pressão é constante, e a esperança parece uma ilusão distante. Mas...