12:22, 4/6°/551 Ano Ancestral

Quem diria, o burguês tava certo de me dar uma grana. Muita gente que eu conhecia ou não sabia nada ou tava com um medo fudido de falar qualquer coisa sobre O Falsário. Quando falava sobre um pergaminho ou sobre uma arma, até conseguia uma coisa ou outra, mas só boatos. Teve um leilão no mercado negro de uma parada mega rara que algum ladrão muito habilidoso tinha roubado (obviamente eu, por favor, né!) e que tinha sido arrematado por um valor absurdo. Tive que gastar quase metade daqueles V$500 que o Júlio me deu pra conseguir essas informações.

E falando nele... Nossa, ele tinha uma letra muito chique, deve ter feito umas aulas de caligrafia. Bom, gente com dinheiro. Essa família dele, de Honesto, tinha o maior escritório de advocacia da Capital. Tava aí a origem da grana toda. Ele mandou uma quantidade boa de cartas que mais pareciam poemas, tinha um que era bizarro mais ou menos assim:

Querida Juliana,

Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito

Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias

E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.

Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino

Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne

Quis beijar-te num vago carinho agradecido.

Mas quando meus lábios tocaram teus lábios

Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo

E que era preciso fugir para não perder o único instante

Em que foste realmente a ausência de sofrimento

Em que realmente foste a serenidade.

Atenciosamente,

Vinícius de Moral

Meio melancólico e sinistro, mas sei lá, era bonito como ele colocava carinho nos gestos do cara, como se aquela perda fosse demais pra ele, mas não o suficiente pra fazer o coração se quebrar de vez. Uma pena que tudo isso era só um código pra falar: "Encontrou indícios de alguma coisa? Minhas fontes indicaram que ocorreu um leilão mês passado de um item numa reunião secreta financiado pelo chefe do mercado negro, supostamente ele."

Queria saber por que ele fazia essas cartas assim, sempre poemas bonitinhos e um pouco românticos. Minha gaveta já tava lotada de tantas que me mandou em um mês. Será que... Não, nem fudendo. Quase matei ele no dia que o vi pela primeira vez, só isso já diz muito sobre o que o burguês pensa de mim.

Pelo menos a mensagem confirma a informação que tinha pego também. Ficar o dia inteiro na cama não vai me dar dinheiro ou resolver a parada d'O Falsário. Tinha que encontrar com Agnes e treinar ainda, tava ficando raro pra fazer uns serviços e Lázaro tinha sumido, como sempre. Sei lá, parece que ele não cumpriu a promessa de dar um jeito nos cara vendendo pras crianças. Não via o Pedrinho fazia uns dias também...

Saí de casa e fui direto na Agnes passando pela galera. Vesti minha roupa de treino e bati perna pelo bairro. O dia claro sorria como sempre, sério, tem gente ferrada aqui, mas é muito bom ver como a geral sorri e se diverte com pouco. Uns velhos jogam dominó na praça, crianças brincando de soltar pipa antes de ir pra escolinha, os peões de obra carregando e descarregando estoques, motoristas de caminhão se sacaneando com piadas. Ah, cara, eu queria tanto que esses sorrisos ficassem nos rostos de cada um.

Mas eu fudi com tudo, né? A qualquer momento um maníaco pode fazer um exército de caras não tão santos e chacinar uma cidade inteira, mesmo que ela tivesse o tamanho da Capital. Acho que meu primo Jamir ficaria triplamente puto comigo se tivesse vivo hoje. Quer dizer, se ele ou qualquer parente meu estivessem vivos acho que nunca faria o que faço...

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