Epílogo

8 2 2
                                    

Nos Campos Elísios, em sua casa, o professor de magia ria lentamente das tentativas falhas de seu aluno em executar um simples truque de Mover Objetos. Para ele, era engraçado ver como aquele Feral Alado se esforçava e reclamava que não conseguia logo em sequência. Estavam na sala, onde dois sofás e uma mesa bastavam de enfeites, além dos quadros pelas paredes e uma janela coberta de cortinas.

O desafio era simples para o jovem aprendiz, ele deveria conseguir levitar um pano disposto sobre a mesa, mas nada o fazia ter êxito na tarefa.

— Ah! Cansei! Essa coisa é impossível na minha idade! — Emburrou-se, cruzando os braços.

— Júlio César! — Resmungou o professor de magia. — Tu por acaso estás autorizado a desistir? Ande logo e faça como ordenado!

— Aff... Padrinho! Aqui é uma roça e não tenho ninguém para brincar! Achei que magia era legal, mas suas aulas são super chatas e não tem como eu conseguir fazer isso!

Olhou no fundo dos olhos do professor, que sentia certa raiva controlada. Os olhos de seu padrinho era uma coisa que ele invejava, de certa forma. Eram como os olhos de um Falsário, mesmo que fosse humano. As pupilas brancas eram adornadas por tons multicolores de ametista e esmeralda, tornando-os belíssimas nebulosas. Os cabelos cinzentos com mechas verdes estavam sempre arrumados e ele insistia em tragar um cachimbo, ainda que sem fumaça.

O jovem aprendiz murchou suas asas de penas castanhas, tentando entender onde estava errado e sentindo a frustração. Sua pele morena ficava ainda mais escura na pouca luz da sala e seus olhos castanhos olham para o pano fixamente sobre a mesa.

— Achas que todo mundo nasce sabendo magia?

— Sim. — Respondeu como se fosse óbvio. — Olhe para ti e para minha madrinha, sua esposa! Sinceramente, duvido muito que tiveram alguma dificuldade na minha idade...

— Posso falar por mim, mas na sua idade, eu não conseguia conjurar truque algum sem que quase morresse!

— O quê? Mentiroso!

— E o que eu ganho mentindo para ti? Dizendo que era ruim em magias?

— ... Sei lá. — Deu de ombros, desinteressado.

— Nada, garoto, nada. — Ele parou por um momento e começou a juntar as palavras em sua mente. — Se tu perguntares a um artista, magia é para fascinar. Se perguntares para um guerreiro, magia é para matar, mas se perguntares para mim? Eu lhe respondo que magia não tem função. És tu que decides para quê ela serve. Essa é a base para todo mago. Ao entender isso, tu vais errar, tu vais falhar e vais tentar de novo e de novo. Talento não é nada, esforço é o mais importante. Entendeste?

A fala foi confusa para ele. Não tinha muita relação, mas mesmo assim aquilo o motivou. Se o trabalho duro fosse compensado, então talvez ele pudesse tentar de verdade, tentar com tudo que podia. Seus pais eram magos habilidosos, o padrinho e madrinha também! Precisava justificar a expectativa que tinha sobre si e então ele respirou fundo e tentou mais uma vez, a conjuração seguiu:

Tudo há de se mover enquanto minha voz pedir!

De maneira preguiçosa e lenta, o pano começou a se erguer no ar, como se tivesse sido pego por uma mão invisível. Fascinado, ele pulou batendo suas asas em comemoração, foi a primeira vez que conseguiu conjurar um truque. Era pouco, mas era sua primeira conquista.

— Oba! Eu consegui! Mereço um doce? — Olhou esperançoso para seu padrinho.

— O quê? Ainda não está perfeito! Refaça! — Resmungou.

A frustração e a reclamação eram tudo que lhe restava no rosto. O aprendiz então respirou fundo e pensou como poderia fazer aquela aula chatíssima acabar logo. Como se a Deusa ouvisse sua prece silenciosa, três batidas foram dadas à porta.

O padrinho, mago arrogante e certo de suas habilidades, estalou os dedos conjurando o mesmo truque que havia ensinado. Com maestria impecável, a maçaneta girou. Sem nem precisar de cântico ou gestos somáticos a porta se abriu.

O jovem Feral Alado achou aquilo estranho. Era incomum alguém simplesmente abrir a porta sem ver, já que fazer isso na Capital podia ser perigoso, mas a vila onde estavam era pacata. Entrou segundos depois um homenzarrão de pele vermelha e cabelos castanhos quase dourados e olhos de mesmo tom. Seu sorriso era tão puro e radiante que poderia ser chamado de "terceiro sol de Vernya". O homem mais alto que o garoto já tinha visto em sua vida. Um Furioso risonho que precisou abaixar a cabeça quase que completamente para poder adentrar à sala.

— Astierr! — O padrinho exclamou. — O que fazes aqui? Achei que estavas viajando!

— E aí, senhor de Bondade! — Riu com cumprimento. — Pelo visto tu continuas recebendo muito bem as visitas, mal cheguei e parece que estás incomodado comigo!

— Vá a merda. — Xingou, então ele percebeu que o garoto ainda estava lá. — Tu não ouviste eu falar isso, entendeste?

— Eu posso xingar palavrão em casa. — Cruzou os braços em protesto.

— Céus, que diabo de criação Giovana está lhe dando? Enfim, entre, Santo Cavaleiro, entre.

E então o Furioso adentrou. Mas, ele não estava sozinho, seu braço direito, desnecessariamente musculoso, carregava uma garotinha arteira que se divertia usando os membros robustos e poderosos que quase rasgavam sua camisa de linho bege. Ela o chutava e tentava escalá-lo das maneiras mais impossíveis.

— Onde a gente tá? Ondeee? — Finalmente, a garota parou de rodar pelo corpo dele como se fosse uma formiga enlouquecida. Estava com as pernas em seus ombros e as mãozinhas em seus cabelos enquanto o Santo Cavaleiro ria.

A garota era ruiva, seus cabelos eram como brasas vermelhas do mesmo tom de pele do Furioso. Sardas salpicavam seu rosto e os olhos de mesmo tom eram tão quentes como fogo. Seu sorriso arteiro se quebrou quando ela olhou para sala e então viu o garoto.

Ambos pararam, se olharam por bons segundos e tanto o professor de magia como o Santo Cavaleiro estranharam aquilo. Até que a garota saltou numa cambalhota dos ombros do homenzarrão e posou com maestria ao chão. Orgulhosa do feito, se vangloriou com uma risada e disparou para o lado do menino Feral Alado. Alegríssima e energética, disse:

— Que legal! Um pássaro gigante! — Disse, enfiando a mão nas enormes asas do garoto.

— Ai! Ei, eu não sou um pássaro gigante! Larga isso!

— Mas parece um! Aposto que tu consegues me levantar com essas asas enooormes! Vamos brincar lá fora, vamos, vamos!

E ela começou a agarrar o garoto pela mão, puxando-o. Parecia impossível, mas o garoto estava perdendo em força para uma menina humana mais nova. E que força ela tinha!

— Samira! — Santo Cavaleiro brigou. — Não estás a esquecer nada?

— Quem é essa garota? Transformaste Sylvia em uma humana? — O professor indagou. Havia algo familiar nela.

— Ah, é a prima do Jamir. Ele está viajando para o Sul, então pediu para que eu cuidasse dela. É quase sua vizinha, Balt! Como não sabes as pessoas que moram na sua vila?

— Eu tenho que perguntar pra esse tio chato e velho se posso brincar com esse garoto? — A garota questionou fazendo beicinho.

Controlando-se para não xingar a criança, o professor tragou seu cachimbo. Por fim, olhou para seu afilhado e único aluno particular. O garoto parecia confuso e intrigado com a garota e seu olhar era mais que fixo nela, aquilo o deu boas lembranças e disse:

— Tudo bem, a aula acabou, Júlio César, pode ir.

Sem nem mesmo esperar uma resposta, ela o arrastou para fora numa velocidade incrível. Aquilo causou humor em ambos os homens que viram a cena. Servindo-lhe chá, o professor ofereceu um sofá inteiro para o Santo Cavaleiro, que disse ao se sentar:

— Sabes, Balt, aquele olhar significa uma coisa.

— E o que seria?

— É o mesmo olhar que tu e Amália deram quando se conheceram na academia de magia. Acho que o garoto vai querer vir aqui mais vezes.

— Podes ter certeza! — Disse, rindo junto ao velho amigo.

Entre Crimes & PaixõesOnde histórias criam vida. Descubra agora