XVIII

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9:47, 10/7°/551 Ano Ancestral

De frente para aquela porta de madeira eu tinha uma aposta comigo mesmo para ganhar.

Não era a primeira e nem a última vez que falaria com uma figura de autoridade, mas por algum motivo, fiquei nervoso. Tentar enganar alguém que literalmente sente o cheiro da mentira parecia impossível.

Bati na porta e recebi a permissão para entrar. Segundos depois, vi uma organização impecável na sala, apenas atrapalhada pelo desgaste do tempo nos objetos e na própria estrutura. O General Santo Gram Belarion se sentava casualmente lendo papéis em sua mesa. Ele pediu pra que eu sentasse e então indagou despretenciosamente:

— Como posso ajudá-lo?

— Me dizendo se aqui é seguro ou não para conversarmos sobre aquele pedido.

Aquilo bastou, ele entendeu quem eu era no mesmo segundo. Estalou os dedos, as cortinas se fecharam e a porta se trancou. Senti uma espécie de vácuo cobrindo a sala, dando mais... privacidade. Pelo visto, ele realmente sabia magia. As múltiplas rugas ao redor do rosto velho do Orelhudo competiam minha atenção com seu braço mecânico. Ele me encarava com certa cautela e frieza.

— Tu demoraste.

— Não estava à toa. Tenho muita coisa para fazer na Capital, ainda mais agora que descobri que meu alvo é justamente o mandante do assalto ao forte.

— Então o matou?

— Ainda não.

— Hm.

Ele cruzou os braços e olhou para a mesa vazia. Entendi que ele queria ver o pergaminho e então o peguei com frieza e calma. Deixei em cima da mesa com tranquilidade e ele notou uma coisa que podia me condenar ou me ajudar.

— Foi aberto.

— Não achou que o ladrão o deixaria imaculado, não é? Inclusive... preciso confessar que eu mesmo acabei lendo. E que estou interessado.

— Como é? Não é qualquer um que pode ter acesso a esse conhecimento.

— Achei que eu fosse confiável ao senhor, general. Seria algum problema eu ter acesso a essas técnicas de Santo Cavaleiro?

— Muitos. Não passaste pela avaliação de um mestre ou tens a disciplina necessária. Além disso, só de olhar para ti, sei dizer que não aguentarias o fardo do juramento.

Trinquei os dentes e me controlei. Até parece que não sabia fazer sacrifícios.

— De toda forma, tentei performar o ritual. — Ele ergueu uma sobrancelha, surpreso, mas não irritado. — Porém, falhou, mesmo eu tendo uma armadura de Santo Cavaleiro...

— Devolva. — Cortou-me subitamente.

— Perdão?

— Devolva a armadura. — Uma fúria enjaulada estava em seus olhos. — Não me interessa onde conseguiu ou como, toda armadura de Santo Cavaleiro está vinculada a alma daquele que faz o juramento. É como um pedaço de um irmão, não aceito que fique nas mãos de um civil.

Por isso não havia funcionado...

— Lhe enviarei a armadura. Prometo.

Ele passou um bom tempo olhando o pergaminho, acho que ele começou a desconfiar. Foi difícil não suar.

— Não é possível que me seja feito uma? Posso pagar muito bem, afinal, é para lutar contra um inimigo em comum.

Seco e mórbido, ele gargalhou. Pelo visto, Santos Cavaleiros tinham seu senso de humor.

Entre Crimes & PaixõesOnde histórias criam vida. Descubra agora