09:27, 17/7°/551 Ano Ancestral

E na sala de descanso me encontrei mais uma vez. Bebericava o café enquanto olhava para os cantos lembrando da cena na loja de vestidos. Infelizmente, o som da rasteirinha batendo ao chão de madeira me tirava dos devaneios de admiração por Samira. Até que a voz estridente de Miriã me arrancou de volta a realidade.

— Júlio? Júlio! Tu não ouviste nada do que disse?

Deixei a xícara na mesa da sala de estar da defensoria pública e olhei pra ela apático.

— Miriã, desculpe, mas não tenho a obrigação de ser seu ouvinte em pleno horário comercial.

— Aff... — Ela se jogou no sofá e fez um pouco de birra. — Eu não posso te ver toda hora, sabia?

— Dado a natureza de nossos encontros, eu discordo. Tu és a prefeita, quem lhe diz não?

— Não é por causa do meu cargo, é por causa do meu corpo... — Ela falou baixinho com o rosto enfiado em uma almofada.

— Como assim? — Estranhei.

— Nada. — Respondeu ela, se levantando. — Por que acabou com seu noivado?

— Ah... Meus tios entenderam que não queríamos aquilo, Amanda também. E eu achei alguém especial.

— É mesmo? — Ela perguntou com seriedade. De uma maneira que não entendi, aquele olhar negro sugou o sorriso que estava em meu rosto.

— E por que tu não vetaste aquele decreto da câmara? Tu estavas reclamando do aumento de protestos na prefeitura agora a pouco, certo? Claramente o aumento foi por isso.

Ela deixou de me olhar de forma tirânica e então suspirou, parecia que aquela conversa não seria nada fácil para ela.

— Júlio, esse decreto não afeta em nada. Sério. As sanções pra guardas que maltratam os cidadãos ainda existem. Isso foi só pra não existir qualquer processo contra um guarda toda vez que alguém quiser acusar ele de abuso de autoridade, coerção, etc. Fora que os vereadores representam "a vontade do povo" e toda vez que veto uma lei da câmara legislativa, a mídia cai matando. Tu sabes dessa baboseira. E tem noção de quantos veteranos reclamam de processos chegando todo dia em suas portas por conta disso? De maus entendidos entre meliantes que querem se dar bem em cima de guardas honestos?

— Sei. — Foi muito difícil não estampar nojo em meu rosto.

— Além disso, tem coisas que eu não posso te contar...

Ela se encolheu. O olhar encarava algo imaginário que fez aquele corpo pequeno estremecer.

— Desculpe... Eu não sabia.

Me aproximei e então acariciei seu braço. Tinha me esquecido que diferente de quase todos os outros contatos e "amigos" que Miriã tinha, eu não possuía segundas intenções ou interesses naquela relação. A solidão que ela sentia por não ter ninguém sincero era imensurável. Ela parou de tremer e sorriu pra mim deixando uma lágrima escorrer.

Três batidas rápidas foram dadas na porta e nenhuma piada costumeira ou repúdio saiu dela. Douglas ficou bem mais comportado e certo de cobrar que eu saísse daquele lugar e a prefeita também.

— Vamos voltar pro trabalho?

— Claro.

§ § §

25:00, 20/7°/551 Ano Ancestral

Samira estava perfeita. Eu poderia passar dias olhando para ela naquele vestido sem precisar comer ou beber. Ter conversado com Catarina sobre um vestido deu um resultado ainda melhor do que imaginava. E ainda bem que ela não a viu, certamente iria querer roubar minha namorada para desfilar em suas passarelas e ficar viajando por todo Reino Oeste. Espere, estava sendo possessivo?

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