09:04, 05/7°/551 Ano Ancestral

Ó, minha Deusa, toda poderosa e dona do destino

Abençoai aqueles que nos deixam

Peço humildemente pelo merecido descanso

Onde suas almas se unem ao Cosmo

Em plena graça e honra dos que seguiram sua sina

Que assim seja.

Foi a oração que a profetisa fez naquela manhã chuvosa de veno em meio ao palanque do velório. Alfredo tinha sido encontrado morto em sua casa, mas com o rosto de seu alterego. Pelo visto, era ele que fazia a "parte suja" do nosso trabalho. Tardou cinco dias para que a autópsia pudesse dar um diagnóstico, já que o corpo dele tinha sido brutalmente mutilado a ponto de ficar quase irreconhecível. Não só isso, como nenhum suspeito, nenhuma arma do crime ou qualquer coisa que impedisse o caso de ser arquivado. Um crime perfeito.

Sabia que tinha alguma coisa errada, só não quis enxergar... Minha vida tinha se tornado um paraíso quando Samira resolveu morar comigo e Amanda aceitou o fim do noivado. Meus tios não tinham feito nada ainda, outro milagre inexplicável. E então veio essa fatalidade dupla.

Não só Alfredo Médico tinha sido assassinado, mas também Agnes Boticário, a melhor amiga de Samira. Esses dois... não mereciam isso, não mereciam sofrer essas mortes brutais e um único pensamento ecoava na minha cabeça. A culpa era minha. Estava diante daqueles túmulos junto com muitos parentes e amigos que foram prestar suas condolências. Todos trajavam preto, eu incluso. Ao meu lado, Samira se desfazia em lágrimas silenciosas e aquilo doía tanto quanto saber que nunca mais ouviria a voz de Alfredo. Era como uma adaga rasgando meu coração devagar.

A chuva nos castigava e, lentamente, as pessoas deixaram o cemitério um a um. Depois de muita chuva, levantei minhas asas para cobrir Samira e eu das lágrimas que as nuvens derramaram. Eu não sabia como lidar com o luto de novo.

§§§

22:15, 06/7°/551 Ano Ancestral

Os dias que se seguiram pareciam sombrios demais para nós. Samira raramente queria sair da cama, no máximo para comer e ir ao banheiro. Não podia cobrar ela e também compartilhava da sensação. A sensação de culpa perfurava o coração dela também, senti isso desde o primeiro instante que a vi de luto. O apartamento estava silencioso, já que ela não queria falar uma palavra desde o velório.

Para minha surpresa, o som de uma batida ritmada saiu da minha porta. Não havia pedido nada. Foi simplesmente estranho que alguém batesse à minha porta naquele horário. Me arrastei até a ela enquanto Samira se enfurnava no quarto e a surpresa veio.

Eram Antônio e Vera de Honesto.

Porém, meus tios não estavam explodindo em ódio e raiva, só estavam apáticos. Não queria brigar com ninguém e pelo visto, eles também não. À contragosto, os convidei para entrar. Eles se sentaram no sofá da sala de estar e repararam na foto de meus pais.

— Faz tanto tempo que não vejo minha irmã... Giovana era uma pessoa tão boa. — Disse Antônio, tocando a foto em suas mãos.

— Não farei questão de fazer sala, andem logo e digam o que querem. — Minha voz soou cansada e sem paciência, coisa que eu realmente estava.

— Júlio, fique tranquilo, nós... sabemos da sua situação. Deve estar sendo difícil e sentimos muito.

— Se sabem, tia Vera, deveriam ter ficado em sua casa. Eu ainda...

Foi difícil segurar as lágrimas. Nem sabia como ainda conseguia trabalhar, mas fazia dias que o morcego não patrulhava. A Capital estava sofrendo por causa desse maldito luto, dessa dificuldade em continuar sabendo que não consegui proteger as pessoas que me importo.

Entre Crimes & PaixõesOnde histórias criam vida. Descubra agora