29:12, 15/6°/551 Ano Ancestral

Ainda era difícil olhar pra aquele monstro. Eu não tava com medo, só não gostava de olhar pra aquela coisa enorme de asas pretas, armada e parecendo que iria matar qualquer coisa que se movesse na sua frente. O escuro ajudava na aura maligna também. Mas dessa vez ele tava diferente. Sei lá, só não parecia querer me assustar.

— E daí que era seu alvo? Tava na minha comunidade, eu dou conta disso.

— Não deveria.

— Ah, pronto. Tu és o único justiceiro que pode trabalhar na cidade agora, é?

Ele olhou pro lado, meio que como se tivesse com vergonha e intimidado. Confesso que me senti fodona por fazer isso com aquela aberração. Se bem que... debaixo daquilo tudo tinha só um Feral Alado bonitão. Argh, droga, não conseguia deixar de pensar nele assim.

— Eu queria falar contigo.

— E tá fazendo o que agora?

— Quero dizer... o outro cara.

Ah pronto, agora ele virou esquizofrênico. Essa merda de "morcego" era só uma fantasia feita com magia, porra! ELE JÁ TÁ FALANDO COMIGO! Ódio, ódio, ódio.

— Então "vira ele", ué. Não tem ninguém aqui pra te ver.

— Não aqui... Quero que me encontre, se possível. Amanhã às 16:30, no endereço do remetente da última carta que lhe mandei. Tudo bem?

Limpei o sangue e embainhei as duas espadas com um golpe no ar e dois giros. Botei as mãos nos bolsos e comecei a sair daquele beco. Meio que deixando ele jogado pra trás, saca? Foi muita sacanagem, mas quis fazer mesmo assim.

Mas seria cruel deixar ele sem resposta. Quando ele ia sair, parei minha caminha e disse:

— Vou lá depois.

Tipo, ainda tava puta com ele. Queria mais que o Júlio se fudesse. Mas... ele não devia estar pensando a mesma coisa. Queria conversar comigo, resolver, talvez? Aquilo tinha atiçado minha curiosidade.

16:01, 16/6°/551 Ano Ancestral

Puta merda, o endereço era no bairro mais nobre da Capital, Limoeiros. Caralho, as casas aqui valiam, tipo, mil vezes o barraco que eu chamo de cafofo. Todas com eira, beira e tribeira, colunas de gesso ao lado de fora, mármore dourado e portões prateados. Cacete, eu tava super deslocada.

Fui andando enquanto via umas madames passeando com animais de estimação me olharem torto. Pelo visto, minha pobreza era perceptível, mesmo eu usando minha melhor calça preta que dava um tchan na minha bunda e um casaquinho de couro branco pra fugir do frio.

Só parei pra pensar isso quando cheguei na porta daquele prédio. Condomínio Estátua de Bronze, n° 1.100, apartamento 12. O burguês tinha me dado o endereço da casa dele...? Tipo, todas as cartas eram de lugares diferentes, alguns nem existiam, mas a casa dele!? Bem, dei minha palavra, não ia dar pra trás agora.

Encontrei com um antigo vizinho meu trabalhando na portaria, mandei o papo e ele me liberou pra subir. Cheguei e bati na porta do apartamento, um cheiro gostoso fez meu estômago roncar. Também, horário de almoço, tava morta de fome.

E então a porta abriu.

Sei lá, o Júlio parecia ainda mais gostoso do que eu me lembrava. Vestindo um avental e uma roupa chique que ele insistia em chamar de "casual", ele abriu a porta e me olhou nos olhos de forma séria. Aff, aquele risquinho na sobrancelha me fazia querer morder o lábio. Péssima ideia vir aqui no meu período fértil.

Entre Crimes & PaixõesOnde histórias criam vida. Descubra agora