XXVII

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31:55, 15/8°/551 Ano Ancestral

Onde o Júlio estava?

Ele saiu pra comprar o jantar, mas não tinha voltado até agora. Tinha comida em casa, ele nem precisava ter saído. Fazia horas que estava fora. Eu fiquei preocupada, mas não sabia o que fazer. Pensei em ligar pros tios dele, mas só seria xingada, tenho certeza.

Eu tremia, andava pela sala horas e horas. Ouvir música não me acalmava, petiscar também não. Nada me deixaria tranquilo além de ver meu namorado são e salvo na minha frente. Sair por aí atrás do morcego seria loucura, já que eu não voava. Não tinha sentido nisso, por quê ele iria patrulhar sozinho? Ele falou pra mim que não iríamos sairmos hoje... Eu só queria saber o motivo dele ter mentido pra mim, queria ele bem e do meu lado.

As horas continuaram passando. Vesti e tirei minha armadura mais vezes do que pude contar. O tique-taque do relógio me deixava louca, como se me ensurdecesse e transformasse os segundos em séculos. Não conseguia dormir, não podia dormir, caralho! Eu não sabia o que fazer, a ansiedade me atacava e em ficava mais e mais me coçando e querendo quebrar tudo na minha frente.

Comecei a tremer, suar e piscar de forma irregular. Cada palpitada que meu coração dava parecia ser a última, meu corpo esquentava, o estômago revirava e parecia impossível respirar. Por quê ele não chegava? Já eram quase 3 da manhã e nada dele. Era hipocrisia, mas eu precisava rezar, cacei um terço e me sentei no sofá. Eu não sabia o que estava fazendo, mas era alguma coisa.

Foi só às 8 da manhã que ouvi uma coisa cair na janela. Dei um salto em desespero e vesti a armadura no mesmo instante. Quando me aproximei, não tinha nada, só umas manchas de sangue. Até que...

Júlio entrou pela janela e estava invisível e sem seu disfarce. Jogado ao chão, ele sangrava em dor e grunhia desesperadamente. Larguei tudo na mesma hora e ajudei ele a levantar e comecei a tirar a armadura e a camuflagem enquanto caçava ferimentos. Não tinha tempo pra me preocupar como, só precisava curar aquilo. Enquanto caçava o ferimento, sujei muita coisa de sangue, lençóis, travesseiros, minhas mãos, tudo. Mas não tinha nada, nenhum lugar estava com cortes ou perfurações.

Limpei o sangue e peguei analgésicos. Ele respirava com dificuldade, mas tentou falar:

— S-Samira, e-eu...

— Cala a boca, porra, tu estás mal. Converse quando estiver melhor.

Ofegante, ele obdeceu. Fiz ele descansar por horas antes de fazermos qualquer coisa. Continuei com o terço na mão e meu coração disparado. Depois de muita água, espera e reza, vi Júlio na cama mais tranquilo e dormindo, supostamente bem com seu peitoral subindo e descendo devagar.

Finalmente suspirei em alívio. Fui até a cama e segurei a mão dele me sentando do lado. Aí meu sangue esquentou, porra, Júlio César! Como que tu podes me deixar tão preocupada!? Cacete, eu fiquei com o coração na mão aqui e tu chegas assim ainda!? Sorte dele que estava machucado, se não ia dar umas boas porradas nele. Hmpf!

Finalmente ele abriu os olhos e disse:

— Pelo visto eu dei trabalho dessa vez... — A voz dele estava fraca e vacilava um pouco.

— Idiota... Onde estavas? — Ofereci um copo d'água para ele, que aceitou e bebeu.

— Samira, eu... tenho que te confessar uma coisa.

Eu apertei a mão dele num susto com muita força, com o grunhido de dor, soltei e cruzei os braços. De frente para ele, meu coração agora acelerava tentando entender o que tinha acontecido. Ele contou sobre tudo que tinha feito até agora debaixo dos panos. Sobre a suspeita que tinha de Maitê, sobre a arte arcana de Dominação, sobre o tráfico de escravizados sexuais e sobre o que ele tinha achado que aconteceria se eu estivesse mais envolvida com essas questões. Falou como estava preocupado e como tinha medo do que fosse acontecer comigo.

Não tive outra reação além de saltar na cama e gritar:

— Porra, Júlio César, porra!

— Mas, Samira, eu...

— Cala a boca! Como que tu fizeste isso comigo!? Eu fiquei a noite toda acordada desesperada por conta desse sumiço e agora eu descubro que é porque tu não confias em mim!?

Foi impossível evitar que meus olhos não se embasassem com lágrimas. Ele continuou calado e com o olhar pesado para o chão.

— Caralho, estava preocupado comigo? Ótimo, eu também estava! Que bom que conseguiste resistir a magia. Que. Bom! Imagina o que teria acontecido se não tivesse, né? Foda-se que eu ficaria sozinha, foda-se que eu perderia meu namorado, foda-se que coisas horríveis aconteceriam contigo.

Não me aguentava mais enquanto gritava com ele, eu só... só queria parar de chorar. Era como se ele tivesse cagado pra promessa que tinha me dado de passar o resto dos dias comigo. Me senti traída e aquela punhalada nas costas doeu tanto que me fez sair do apartamento sem saber se voltaria ou não.

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