XXVIII

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16:12, 16/8°/551 Ano Ancestral

Eu tinha perdido a noção do tempo. Só saí andando por aí sem nem olhar na cara de ninguém. Eu devia estar horrível, já que os pés que passavam por mim se afastaram quando eu arrastava o cansaço para perto deles. Talvez fosse porque eu era pobre e esses burgueses de merda conseguissem sentir o cheiro da minha conta bancária como se fosse alguma doença. Metade dos fudidos herdaram tudo e nunca tiveram que se esforçar pra ter o que tem, mas eu que sou a praga, que inferno...

Andava sem rumo, nem sabia onde iria parar, melhor dizendo, não queria saber onde meu caminho ia dar. O mundo tinha perdido a cor e a graça, não tinha vontade de ver a luz dos sóis pintando tudo. Passei por uns lugares nos bairros nobres que nem mesmo sabia onde era, o bizarro foi ter passado por uma contenção da guarda com as faixas amarelas de "afaste-se", jornalistas e fofoqueiros. Eu provavelmente deveria parar para saber mais detalhes, mas sinceramente? Caguei.

Eventualmente parei em um boteco qualquer nos bairros mais humildes, já que tinha V$5 no bolso e isso não pagava nem um copo d'água pros donos desses restaurantes chiques. Bando de sulista maldito e ganancioso. Quando me sentei no botequim, olhei pro cardápio por uns dois minutos sem saber o que pedir, então decidi pelo prato feito do dia. Era horrível, o arroz cru, sem gosto e duro, o feijão sem sal e com mais água que grãos e pra piorar o combo, a carne frita com cebola era gordura e óleo puro. Me doía admitir que sentia falta da comida do Júlio.

Depois de cometer esse crime contra mim que um louco chamaria de almoçar, me toquei que amanhã seria marte e eu precisaria trabalhar. Sendo bem sincera, foda-se. Meu chefe não precisava de mim, ninguém precisava. Geralmente nessas horas que eu ficava pra baixo, eu brigaria comigo mesma e falaria pra focar no melhor e que tudo ficaria bem e coisa e tal. Mas não quis fazer isso também.

Percebi que não tinha onde ficar. Saí do botequim e pensei nas opções que não fossem a rua. Bom, saí do meu antigo cafofo sem avisar o Lázaro, algumas coisas eu deixei lá, tipo cama e mobília. Não que fosse muito, mas poderia me ajudar a chorar escondida. Acabei indo pro distrito 7 no meu tempo.

Me forcei a erguer a cabeça, passei pela farmácia da família da Agnes e pude ao menos cumprimentar a mãe dela que cuidava da loja. Aposto que se eu pudesse contar o ocorrido pra minha amiga lá em casa, a própria diria algo tipo:

— Own, tadinha, tá triste porque seu namorado te enganou? Vem aqui, colega, deixa eu te consolar. — E daria tapinhas sugestivos na cama, certeza.

Confesso que aquilo me tirou uma risada, pensar na possibilidade do que ela faria. Mas doeu lembrar dela. Eu tinha "superado" o luto de certa forma, mas a falta da minha melhor amiga, da garota que eu podia contar para qualquer rolê ou qualquer coisa que eu precisasse nem que fosse só andar por aí pra reclamar, era um abismo profundo que não tinha fim e crescia sem parar. Acho que essa dor piora quando se perde alguém novamente.

Tinha parado de me culpar, mas... a sensação nunca iria embora, no fim. Quando saí do devaneio, percebi que tinha passado por todo o distrito 7 e chegado no meu antigo cafofo. Notei que a porta de madeira tinha sido pintada. Puta merda, Lázaro alugou pra alguém? Esperava que não, porque levei minha mão até a maçaneta e abri a porta sem nenhum problema.

Pra minha sorte ou azar, estava vazio. Nem a mobília antiga, roupas ou qualquer coisa que tinha deixado pra trás, tava limpa e pintada. Agora que não tinha nada, parecia até o triplo do tamanho. Aquele filho da puta do Lázaro... será que tinha feito algo estranho com minhas coisas? O pior era que ele não morreria tão cedo, porque quando virei, estava justamente atrás de mim, calmo e tranquilo. Dessa vez, não estava armado. Ele abriu a boca:

— Achei que tinhas mudado.

— Oi pra ti também, Lázaro...

Cuspi as palavras de forma meio capenga e xoxa. Não queria olhar pra ele, a investigação da morte de Agnes tinha resultado em nada, começava a suspeitar desse maldito. Afinal, a última coisa que eu vi Lázaro fazer foi ameaçar Agnes. Ficamos sem nos ver por um tempo e então ela foi assassinada, era muita coincidência. Mas não podia só jogar isso na cara dele, cruzei os braços e esperei que ele falasse o que queria.

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