16:52, 16/8°/551 Ano Ancestral

Não importava o quanto eu tentasse, a comida simplesmente tinha um gosto horrível. O aroma fedia mesmo com minhas melhores ervas e temperos importados do Leste. A carne do melhor corte parecia dura, seca e borrachuda. Sempre soube o que fazer para cozinhar um excelente almoço, mas acho que o ingrediente principal para uma boa refeição era a companhia de alguém.

Tinha cometido um erro gravíssimo. Como pude suspeitar de Samira? Tolice era eufemismo para descrever minha atitude com minha namorada. De certa forma, traí a confiança dela. Provavelmente ela não queria mais nada comigo. O que Alfredo diria para mim nessa situação? Não tinha arranjado outro psicólogo desde seu falecimento, não seria justo com ele. Alfredo era muito mais que só um psicólogo pra mim, era meu melhor amigo, quem eu podia confiar em qualquer situação. Não consigo nem imaginar o que ele diria para mim.

Mas tenho certeza que ele saberia o que fazer, era tão sábio e tão esperto. Me arrependo de ter feito tão pouco por ele, claro, o pagava bem pelos dois serviços que fazia para mim, mas nunca pareceu o suficiente. Mesmo os eventos sociais em que ele me fez companhia ou os poucos presentes que consegui dar sem que recusasse pareceram pouco diante do que foi feito para mim.

Poderia ficar martirizando minha história o quanto quisesse, nada mudaria. O morcego ainda tinha trabalho a fazer, principalmente agora que eu estava sozinho. Faltava investigar o último vereador, Estevão de Competência. Diferente de Maitê, que gostava de ter uma vida pública e ostentadora, Estevão era extremamente reservado. Havia pouquíssimos projetos feitos por ele, sem registros de suas propagandas eleitorais e nunca tinha visto seu rosto em fotos de jornais, nas sessões ordinárias, assembleias ou audiências públicas da câmara. Esse seria o mais difícil de investigar...

Para piorar minha situação, eu tinha insistido em enviar cartas ao General Santo Gram. Afinal, Samira podia ser uma Santa Cavaleira, mas aquilo não significava que ela tinha o treinamento completo e suficiente para se equiparar a um Santo legítimo. Após termos enviado a armadura para o forte, tentei entrar em contato várias vezes, mas fui respondido com um silêncio solene e absoluto. Até que certo dia, um telegrama chegou. Pude sentir o total ódio e repúdio do General Santo quando li as seguintes palavras:

Pare de me enviar malditas cartas e reze para que eu não te procure de novo.

Pelo visto, eu não teria como descobrir novas técnicas ou formas de melhorar como Santo Cavaleiro para que Samira ficasse mais forte. Não que importasse agora, já que nunca mais a veria. Passei o resto do dia segurando minhas lágrimas e me recusando a fazer qualquer coisa que não fosse sentir a dor da solidão que acreditava estar acostumado. Aquela dor era infindável, como arrancasse minha alma, estilhaça-se em pedaços invisíveis e devolvessem ao meu corpo de forma brutal. Faltava uma parte de mim, será que ela sentia o mesmo? Ela me odiava, claro que não.

Aquela dor me fez perder a noção do tempo. Enquanto deitava de forma preguiçosa e improdutiva na cama, as horas passaram tão rápidas quanto podiam. Pensei em ir patrulhar, já que precisava descobrir qualquer coisa no submundo sobre O Falsário, Estevão ou a localização das cozinhas de krokodil. Quando patrulhei com Samira, as buscas sempre foram infrutíferas.

Ou encontrávamos a ralé dos traficantes que nada sabiam, ou encontrávamos lugares vazios suspeitos. Não importava as dicas ou detalhes que conseguimos, o encontro com Nicolau foi a maior sorte que tivemos, mesmo que não tivesse dado pistas sobre o alvo também.

Não tive tempo de investigar a casa de Maitê, se ficasse mais alguns segundos eu poderia ter sido executado pela guarda ou morrido com o sangramento. Certamente havia pistas sobre onde aqueles escravizados iriam no local, mas tudo que consegui foi levantar mais suspeitas para O Falsário sobre o que o morcego estava fazendo. Agora ele tinha muita informação sobre mim, se eu demorasse mais, ele poderia me achar e tudo estaria acabado. Rezava para que se isso acontecesse, Samira saísse sem problemas.

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