Capítulo 09

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André

Eu fiquei refletindo sobre tudo da minha vida por horas naquela noite. Primeiro pelo impacto de tudo o que o meu pai me falou, pelo que eu descobri do Felipe e também por não ter com o que me distrair.

Dormir nunca tinha sido tão difícil. Sempre que eu fechava os olhos, a cena dele aos gritos nos braços do meu pai vinha com força na minha mente. Era tudo culpa minha. Quando eu tentava dispersar esse pensamento, a minha mente criava o cenário de um homem adulto batendo nele. Eu vi as marcas no corpo dele, eu sabia que tinha sido algo pesado. Começou a me subir uma raiva muito grande e uma revolta maior ainda contra esse cara. Como? Como que alguém que se diz pai, tem coragem de fazer isso com o próprio filho? Eu nunca seria um pai assim, pois o meu era o meu herói. Ele era o meu maior exemplo.

Como aquele cara era um covarde! Se eu pudesse, se eu o pegasse na rua... Eu só queria uma oportunidade... A minha raiva por ele que já era grande, só aumentou. E pensar que por um instante eu me igualei a ele. Eu agi igual. Senti nojo de mim na hora. Meu pai sempre me criou com valores e princípios de um homem de verdade. O meu professor de luta sempre reforçava que qualquer arte marcial também tem seus valores. Meu pai quem me ensinou que, como homem, o meu papel era proteger os meus, defender a honra da minha família sempre que necessário, ajudar os mais fracos e necessitados. Eu precisava trabalhar, prover, ser alguém que passa confiança e segurança pra quem precisa de mim. Eu também aprendia muito disso com o meu amigo Gabriel. Ele me ensinava principalmente com o seu jeito de ser. Ele sim estava se tornando um homem de verdade.

Eu era um fracasso. Um fracasso como filho, como amigo, como lutador e, agora, como irmão. Será que ele tinha gerado alguma expectativa sobre mim? Será que ele imaginava como eu seria, assim como eu também já me peguei pensando nele antes mesmo de o conhecer? Será que ele esperava que, como irmão mais velho, eu cuidaria dele? Aaaaaaaah, para mente, para, para, para! Para de pensar um pouco! Eu preciso dormir! Meu cérebro estava me torturando.

Já tinham se passado algumas horas desde que tudo aconteceu. A madrugada entrou e eu simplesmente não preguei o olho. Decidi descer e tomar um copo de leite morno com biscoitos na cozinha. Estava lá sentado num banco alto próximo ao balcão tomando um gole de leite, quando ouço um grito horrível vindo de lá de cima. Eu instintivamente larguei tudo e sai correndo em direção ao quarto do Felipe, porque eu sabia que tinha sido ele. Foi muito louca aquela sensação, acho que foi a primeira vez que senti aquilo. Foi algo mais forte do que eu... Eu não precisei pensar, não tive a oportunidade de ponderar se deveria ir ou não. Era como se algo dentro de mim me arrancasse de onde eu estava, porque eu sabia que era ele. Nada, nem ninguém, nunca tinha despertado aquela sensação em mim como aconteceu na hora. Era um misto de preocupação com um senso de proteção muito grande.

Cheguei no corredor, e tanto a porta do quarto do meu pai, quanto a do Felipe estavam abertas, com a diferença que a luz do quarto dele estava ligada, o que iluminava um pouco o corredor. Continuei me aproximando até finalmente entrar no quarto. A cena de mais cedo se repetia. Meu pai tentava acalmá-lo, com ele encolhido no canto da cama, enquanto todo o seu corpo tremia e ele chorava.

- E-ele... Ele, ele ma-matou ela... Na minha frente, eu vi, eu vi! -Ele não nos olhava. Felipe olhava pro nada, como quem se lembrava. Bem, se eu achava que a minha mente não me dava descanso e tinha prazer em me torturar, eu acabo de encontrar uma que é muito pior que a minha. Parecia que a qualquer momento ele ia surtar... O jeito como ele falava, era como se fosse enlouquecer. Assistir àquilo estava me causando uma sensação muito estranha. Como eu poderia estar tão compadecido com a história de alguém que eu mal conhecia? Como aquilo poderia estar me afetando tanto? Era desproporcional o que eu sentia, com a quantidade de tempo que eu convivi com aquele garoto. Por que aquilo estava me doendo daquela forma? Por que é que, de repente, eu me importava com esse moleque e queria mais do que tudo que ele ficasse bem?. -Ele bateu a cabeça dela na parede. -Nessa hora ele olhou pro meu pai e começou a chorar muito, muito mesmo. -E depois bateu de novo e de novo... E eu não pude ajudar... -A dor em seu choro foi demais pra mim. Eu saí do quarto e fui pro corredor, sentei no chão, encostei na parede e ali, de cabeça baixa, eu chorei em silêncio. Eu queria poder gritar, mas chorei o mais silenciosamente possível pra não piorar a situação. Quanta dor eu tava sentindo no momento! Meu peito doía ao ouvir aquilo tudo. De lá ainda era possível ouvir ele falar. -Eu não consegui fazer nada... Eu não consegui ajudar ela... A minha mãe morreu e eu não fiz nada... Nada...

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