Capítulo 23

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Felipe

Acordei com dor de cabeça. Se eu bebesse, diria que era uma ressaca. Já vi meu pai ter muitas ressacas. Ainda sentia vontade de passar o dia todo na cama, mas se eu me entregasse a ela, talvez eu nunca mais voltasse ao normal. Com muito esforço, levantei e fui ao banheiro. Minha bexiga estava pra explodir. Nem sei por quanto tempo eu dormi. Resolvi tomar um banho e perdi a noção do tempo embaixo do chuveiro.

Eu estava angustiado, lutava internamente com esse sentimento de apatia que queria me tomar. Eu orava pedindo a Deus pra que Ele não me deixasse sucumbir. Eu queria, eu precisava ser um garoto normal, que brinca, ri, se diverte, sai com a família, tem amigos. Tava cansado de ser alguém que se decepciona toda vez que acorda porque percebe que não morreu enquanto dormia. Eu precisava aceitar o amor que estavam dispostos a me dar, precisava aceitar que a minha realidade não era mais apanhar todas as noites daquele cara... Mas aí a cena da minha mãe sendo espancada até a morte volta pra minha cabeça e o ciclo de tristeza e desânimo começa todo outra vez. Eu queria tanto poder esquecer disso, mas essa imagem parece fixa. Ainda que eu acesse outras memórias, eu sempre volto pra essa. Acho que isso tudo era a tal depressão que o médico falou. Nem sempre tinha um motivo certo, ou algo que acontecesse de imediato, muito menos uma hora certa. Às vezes era por tudo e, às vezes, era por nada.

Saí do banho, coloquei uma roupa e desci as escadas, sem saber ao certo o que eu faria lá embaixo. Comer alguma coisa, talvez? Eu ainda estava sem fome, mas até toparia comer algo só pra passar o tempo. Qual foi a minha surpresa ao encontrar o André e o Henrique na sala de jantar, tomando café, os dois usando apenas cuecas samba canção. Àquele horário, eles já deveriam ter saído de casa faz tempo.

- O que vocês estão fazendo aqui? -Perguntei ainda tímido. Fiquei em dúvida se a minha voz realmente tinha saído.

- Eu não fui trabalhar hoje. Resolvi tirar o dia de folga pra ficar com você.

- É, e como ele faltou o trabalho, pedi pra faltar na aula e também ficar aqui com você. Estávamos preocupados e achamos melhor te fazer companhia hoje de manhã. Dormiu bem? -André, que estava sentado à mesa, abraçou a minha cintura assim que me aproximei e beijou o meu rosto.

- Vocês não deviam ter feito isso por minha causa... Você perdeu um dia de serviço e você, de aula...

- Acho que você não entendeu... -Henrique sorriu. -Você é mais importante que tudo isso, Felipe. Se fosse preciso, eu pediria até demissão pra cuidar de você e do seu irmão. Não pense nem por um momento em se culpar por isso, ou que você está num lugar inferior às coisas que eu faço no trabalho. Vocês dois são o que dão propósito à minha vida. Não adiantaria nada eu estar trabalhando sem saber que você está bem ou sem fazer algo pra melhorar isso. -Acho que essa foi a coisa mais bonita que alguém já me disse. As palavras de Henrique mudaram algo em mim naquele momento. Elas me deixaram melhor, elas começaram a me deixar de certa forma feliz. Não cem por cento feliz instantaneamente, mas deram o pontapé inicial pra uma melhora gradativa que foi acontecendo ao longo do dia.

- Senta aqui do meu lado, vamos tomar café em família! -André puxou uma cadeira pra mim. -Eu vou servir você. O que você quer comer? -Ele começou a colocar algumas coisas no meu prato, passou manteiga no pão pra mim e colocou queijo dentro. Me serviu suco no copo, e até cortou algumas frutas pra eu comer. O cuidado e o carinho deles deixaram o meu humor muito melhor. Eu estava muito grato pela forma como eles estavam me tratando.

- Obrigado por... Sabe, vocês estarem cuidando tão bem de mim... Ninguém além da minha mãe e da minha tia fez algo parecido.

- Nós somos seu pai e seu irmão mais velho, também somos sua família. Por que motivo não agiriamos da mesma forma? -Henrique começou. -Você é um garoto muito doce e gentil. Eu sei que está enfrentando uma fase difícil agora e que se adaptar é complicado, mas mesmo com tudo o que está passando, não é trabalho algum te ter aqui. Pelo contrário, você só trouxe felicidade até agora.

Brotherly LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora