(𝐍𝐄𝐖) 𝐏𝐇𝐀𝐒𝐄

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Eu encaro a tela do telefone em cima do balcão sem piscar.

Depois que voltei dos exames, meus braços parecem mais leves com a retirada dos pontos e consequentemente mais próximos de uma cicatrização completa. Não estão bonitos, mas foi bom poder me desfazer dos remendos. Foram dezesseis dias bem complicados até que eu finalmente pudesse tirar. Agora só me restam cicatrizes profundas que vou carregar pelo resto da vida e um desgosto a mais.

E com toda a certeza do mundo terei mais um agora.

Viro o rosto, considerando ignorar a ligação até que o som do telefonema pare. Mas, para a minha infelicidade, meu pai não desiste e continua ligando mesmo depois que não atendo a primeira chamada. Apoio os cotovelos e antebraços no mármore ao lado do aparelho, contorcendo meus dedos na tentativa de controlar meu nervosismo e pensar racionalmente. Não vejo motivos para uma conversa hoje.

Ele não ligou no meu aniversário.

Ele também não ligou quando eu estava no hospital.

Que dia é hoje?

Olho para o pequeno calendário que está colado em um imã na geladeira. Não tem nada marcado e também não me recordo de nenhuma data significativa.

A ligação termina pela segunda vez. Um silêncio de poucos segundos se estabelece até que o som e a vibração retornem.

Eu pego o celular e começo a andar pela casa, parando em frente a porta do meu quarto e voltando para o balcão, ainda hesitando em atender.

Puxo o ar com lentidão, prolongando os últimos segundos de paz que terei durante o dia e me preparando para o que virá.

Arrasto o símbolo verde para cima, dando um fim a insistência.

Eu espero que meu pai diga alguma coisa, mas a linha se mantém silenciosa. Dou-me por vencido e o chamo.

Não tenho resposta.

Pressiono os olhos e os lábios frustrado com ele e comigo.

— Oi, irmãozinho. — Amaya diz com entusiasmo, gargalhando em seguida.

Relaxo os ombros e o rosto.

Estou alíviado, mas quero matá-la.

— Eu te dou um minuto para se explicar.

Minha irmã para de rir como se estivesse engasgada com a própria saliva.

— Nossa, que rabugento. — ela bufa.

— Estou falando sério.

— Tudo bem, tudo bem. Eu convenci nosso pai a termos uma conversa. Nós três.

Arregalo os olhos lentamente.

Minha irmã, meu pai.

Nosso pai.

— E a mamãe?

Dou uma risada dolorosa, mas paro assim que Amaya não retribui.

— Você está falando sério? — vou até o sofá e me jogo contra o assento, cruzando as pernas sobre uma almofada larga. — Pra quê?

— Como assim, pra quê? Faltam motivos?

— Amaya, francamente — coço meu braço de maneira preguiçosa. — ele só convivia comigo na biblioteca porque não tinha escolha, não se recorda? Foi um pedido do nosso avô. Você sabe que o papai não recusaria mesmo repudiando a ideia. Ele só precisava de um motivo plausível pra me despedir. E, olha só, nosso avô não pode expor suas reclamações debaixo da terra. Como e por que você teria convencido o homem que mais me despreza neste país a conversar comigo?

𝐀𝐑𝐑𝐎𝐆𝐀𝐍𝐓 𝐒𝐄𝐗 - (sᴀᴛᴏʀᴜ ɢᴏᴊᴏ × ʟᴇɪᴛᴏʀ ᴍᴀsᴄᴜʟɪɴᴏ)Onde histórias criam vida. Descubra agora