O Inferno de Dante VIII

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O clima entre o Eros e eu esfriou depois de tudo e não consigo entender, ele foi embora sozinho e acabei caminhando sozinho até a mansão, já que as garotas decidiram ficar um pouco mais. Fiquei tentando processar o que ele me disse, então ele sente algo por mim mas não é amor? Se esse é o caso, porque me apresentar pra todo mundo como "namorado"? Claro, eu nunca me iludi ou esperei que ele realmente me visse assim, mas quando se é apresentado com o título de "namorado" por todo mundo incluindo a família dele... quem não sentiria uma pontada de esperança? Quando cheguei na mansão, acabei me deparando com quem eu menos queria. Alastor se senta no sofá com uma xicara de chá nas mãos, decidi tentar ignorá-lo e simplesmente ir pra algum quarto de hospedes, duvido que dormir no mesmo quarto seja apropriado depois de hoje.

—Teve um bom dia, senhor Will?—Travei na mesma hora, a voz dele me faz sentir aquele mesmo calafrio de sempre.—Pelo seu silencio, posso presumir que não?

—Isso... n-não é da sua conta.—Me sinto patético por gaguejar na presença desse cara.

—Ora, ora, isso é jeito de falar com a pessoa que tem a resposta para os seus problemas?

Senti ele se aproximando e me virei para encara-lo, o sorriso dele beira ao sadismo, tem algo muito errado com esse cara.

—Não me chamam de "Detentor de Todo o Conhecimento" atoa.—Decidi me manter calado, os olhos dele são os olhos de um homem ardiloso.—Me diga o que te aflige, talvez exista uma resposta...

—O que você quer de mim? Por que tá me perseguindo?

—Perseguição? Existe uma diferença entre perseguição e interesse, eu meramente me intriguei com sua inusitada presença entre demônios e com a natureza de sua relação com mestre Asmodeus, mas algo me diz que o motivo de seu estado de espírito atual tem relação com seu conjugue, estou errado?

—Não...—Não sei se posso confiar nesse cara, mas algo me diz que ele talvez possa me dar alguma resposta.—Eu perguntei pro Eros se ele me amava, ele me disse que é um demônio e que por isso não sabe o que é amor, mas esse tempo todo ele vem me apresentando como "namorado".

—Isso de fato é contraditório, mas existe uma razão.—Alastor ajustou sua gravata antes de continuar.—O "amor" em sua própria concepção é um conceito humano, completamente alienígena para seres imortais. Porém, quando se cresce com a certeza de que você é de fato um deles, um demônio ou anjo tende a ter a ilusão do que é "amar", porém, pelo meu conhecimento, mestre Asmodeus foi o menos afortunado de sua família e o único a não ser adotado. A falta de amor familiar durante a infância pode tê-lo ferido na própria alma e o deixado com uma cicatriz profunda.

—Então o problema do Eros foi nunca ter sido amado e nunca ter tido uma família como os outros? E como assim, "ilusão"? Os irmãos dele sentem amor um pelo outro. Isso, por acaso, é falso?

—De fato, quando se é afastado pelo mundo, você acaba aprendendo a afastar todo mundo, com relação aos outros, não acredito que seja falso, é apenas minha recusa a aceitar que um sentimento tão patético quanto o amor possa realmente ser verdadeiro, mas isso é uma opinião minha, nunca amei ninguém e jamais amarei ninguém.—Vejo seu sorriso crescer ainda mais e me preparo pra o que está prestes a acontecer—Mas voltando à questão mais pendente, para se resolver um problema, deve-se primeiro entendê-lo.

Alastor estendeu sua mão pra mim, suas unhas cresceram e se tornaram garras, a pele se tornou vermelha, subi meu olhar esperando ver sua forma demoníaca, mas apenas o vi na forma humana, apenas sua mão havia tomado aquele aspecto.

—Façamos um acordo, sim?

—Um... acordo?

—Exato, eu lhe mostrarei os pensamentos mais íntimos do mestre Asmodeus, bem no fundo de suas memórias de infância, e em troca...

Seu sorriso é ainda mais macabro agora, consigo sentir meu coração bater furiosamente no peito. É como se eu estivesse na presença de um predador, prestes a dar o bote.

—Você... quer minha alma?

—Por Lúcifer, não! Eu sou alguém que prefere acumular favores, isso é tudo que eu peço, um pequeno e inofensivo favor que eu posso, ou não, decidir cobrar um dia.

—Como vou saber que não é tudo baboseira? Como um demônio aleatório conseguiria invadir a mente de um dos lordes do inferno?

—É isso que você acha que eu farei? Não, eu sei meu lugar, jamais tentaria algo do tipo, acontece que memórias não pertencem completamente a nós. Assim como tudo na criação, nossas memórias ficam para sempre gravadas por uma única entidade: o criador, o ser que compõem o universo inteiro, a Mente Superior. Eu simplesmente usarei de meus conhecimentos sobre as artes sombrias para penetrar a barreira entre nós e o criador e acessar as memórias sobre a infância do mestre Asmodeus, dito isso, temos um acordo?

Acho que subestimei o quão poderoso esse cara é. Mas não é essa a questão, se eu fizer isso e o Eros descobrir ele vai ficar uma fera, claro, ele também vive invadindo a minha mente mas isso é porque eu não faço muita questão. Além do mais, ele quase nunca usou isso pra bisbilhotar a minha vida passada, e o mais importante, podemos muito bem resolver isso com uma simples conversa.

—Não.—Respondi firme, o sorriso dele se retraiu levemente mas não deixou de existir, ele afastou a mão, fazendo-a voltar ao normal.

—Justo.—Alastor se retirou e voltar a se sentar pra terminar seu chá.—Mas deve se perguntar, senhor Will, se Eros vai realmente querer dar ouvidos ao coração, ou se vai deixar Asmodeus assumir e apagar seus sentimentos completamente.

Decidi não dar mais ouvidos à ele, subi os degraus até o segundo andar e acabei passando pelo quarto do Eros, parei à frente da porta e travei com a maçaneta na mão. Já chega disso, sei que ele talvez precise de espaço, mas não posso ficar esperando pra sempre. Eu sinto algo por ele, mas não vou mais me iludir, preciso de respostas.

Me deparei com Eros de calcinha dançando na barra, chamei seu nome, mas ele me ignorou e continuou dançando.

—Eros, a gente precisa conversar.—Ele finalmente parou, pela primeira vez, vejo-o ofegante depois de uma dança. Ele não parece bem.

—O que foi?—Percebi a voz dele quebrando por uma fração de segundo.

—Eros, o que a gente tem? Somos namorados ou não?

—Will... eu não...

—Me diz Eros, o que eu sou pra você? O que você me disse na praia é realmente o que você sente? Você precisa me dizer.

—Não, não é...—A voz dele quebrou mais uma vez, haviam lagrimas rolando por seu rosto.—Eu nunca senti isso por ninguém, e ninguém se sentiu assim por mim, amor nunca se fez presente na minha vida, as pessoas só querem distancia de mim...

—Eros...—Não consigo evitar minhas próprias lagrimas.

—Eu menti pra você, matei pessoas, transei com outras pessoas além de você, invadi e ainda invado a sua mente todos os dias, eu te dei tantos motivos pra querer se afastar de mim, então eu não consigo entender...—Eros olhou nos meus olhos com uma dor tão incrivelmente grande que posso sentir ela em meu peito.—POR QUE... POR QUE VOCÊ ME AMA!? E POR QUE EU AMO VOCÊ QUANDO EU NÃO DEVERIA!?

Não pensei em mais nada, apenas retirei o presente que iria dar a ele amanhã da mochila que deixei perto da porta e o estendi em sua direção: um colar com um pingente de coração dourado.

—Eu não sei, e sinceramente não sei se algum dia você vai descobrir, mas quero que aceite meu coração, porquê daqui em diante ele é seu.

Eros se aproximou de uma maneira tão lenta que quase não percebi que se movia, seu rosto expressava a mais singela surpresa. Sua mão pegou tremula o pingente da minha, Eros o encarou por algum tempo com a mesma expressão antes de leva-lo junto ao peito, fechar os olhos com lagrimas caindo ainda mais e soluçar com muita dor. Em minha mente, uma imagem rápida mais tão verdadeira quanto o sol se manifestou: um garotinho de cabelo rosa encolhido no canto de uma sala com cruzes espalhadas por toda parte chorando com tanta dor quanto ele chora agora. 

Nesse momento, meu único instinto foi abraçar forte aquele garotinho a minha frente, tudo pra tentar fazer a dor passar de uma vez por todas, e foi o que fiz.

Tasteful DepravityOnde histórias criam vida. Descubra agora