Imagem Espelhada

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O dia que se seguiu foi como todos os outros. A única diferença é que a Ava agora tá presente, ela explicou tudo na direção e aparentemente deixaram ela voltar as aulas normalmente, mesmo que ela tenha muita matéria pra deixar em dia. O Eros mandou todos os ccubos sobre o comando dele atrás do códex, disse pra gente esperar e se preparar. Quer dizer, ele disse isso pro Oliver, parece que tá propositalmente me deixando de fora da ação direta como se eu fosse feito de vidro. Eu posso ter descoberto só esses dias que sou um anjo, mas não sou um completo inútil também. Já o Dante não apareceu depois de ontem. Ele que se foda, quanto mais calado ficar, melhor. Mal posso esperar pra me livrar desse cara.

Já no meu quarto, eu e o Eros estávamos assistindo uma série quando alguém bateu na porta. Era a Ava, de novo. Não é querendo procurar pelo em ovo, mas achei que os nossos assuntos tinham terminado depois do que aconteceu semana passada.

—O Eros está?—Disse forçando a própria voz.

Eu apenas deixei que ela entrasse.

—Ava? Queria me ver? Se é sobre semana passada então não precisa se preocupar, só fiz o que qualquer pessoa descente faria.

—Não é isso, é que eu... eu sei quem você é, ou melhor, o que você é.—Eu e Eros trocamos um olhar sugestivo, como diabos ela descobriu?—Eu queria saber se...

—Se?—Eros pressionou, tendo em vista a demora por uma resposta.

—Se você poderia me transformar em súcubo.

Mais uma vez nos olhamos, mas com alarme.

—Por que isso tão de repente? Se transformar em um demônio não é algo banal, você perderia sua humanidade e seria amaldiçoada com a vida eterna.

—Eu sei, é que...—Ela se cala por um instante.—Pra mim nada disso me assusta mais do que pensar que eu nunca vou me sentir confortável comigo mesma, talvez se eu for uma mulher de verdade, finalmente vou parar de sentir como se meu corpo não me pertencesse...

Algumas lágrimas começam a se formar em seus olhos. Eros se aproximou segurando seu rosto.

—Querida, você é uma mulher de verdade, por quê não seria?

Quando Ava olha em seus olhos, não é só o corpo que o faz, é a própria alma encarando seu rosto.

—Porque tudo a minha volta tenta me convencer que eu não sou.

Eros a puxou em um abraço caloroso, escondendo seu rosto no próprio peito.

—Você precisa de terapia, e se resolver com seus pais, se tornar uma súcubo não vai fazer os seus problemas desaparecerem.

—Eu não posso contar pra eles! Nunca vão me aceitar!

—Você não sabe disso.—Foi minha vez de tentar reconfortá-la, eu me ajoelhei ao seu lado e segurei seu ombro, tentando oferecer meu apoio.—Tem certeza mesmo que seus pais dão mais valor à religião do que à própria filha?

—Eu não sei, mas não quero arriscar, eles são tudo pra mim.

—E eu tenho certeza que você também é tudo pra eles, mas se não for, não vai ser o fim do mundo. De um jeito ou de outro você vai tirar esse peso das suas costas.

Ava me encarou por um breve momento, mas nesses poucos segundos eu pude ver quem ela é de verdade. Ela é alguém que tem medo de perder as pessoas mais próximas, não percebendo quando esse medo se torna algo nocivo pra si.

—Escuta, vai pro seu quarto, toma um banho, deita um pouco e esfria a cabeça. Você vai pensar com mais clareza, se no fim você ainda quiser que o Eros te transforme, não vamos te impedir.

Ela acena com a cabeça e se levanta enxugando as lágrimas, a acompanhei até a porta e a assisti sumir no fim do corredor. Quando voltei ao quarto, tomei um susto com a presença do Dante, me observando de braços cruzados ao lado do sofá.

—Mandou bem moleque, a menina não tá pensando direito.

—Seja lá o que você tenha pra falar, só fala de uma vez e some.

—Tô falando sério, você e o Eros são mais sensatos do que eu pensei.

—Agradeço o elogio, agora dá o fora daqui.

Ele suspirou. Tirou um cigarro do bolso e ascendeu.

—Escuta, eu mandei mal ontem, não devia ter falado aquelas coisas. Mas tu tem que entender o meu lado, eu sinto tudo que você sente e ontem foi basicamente você forçando um cara gay a transar com uma mulher, era lógico que eu não ia ficar feliz.

—Desculpa ai, mas as únicas pessoas dispostas a nos ajudar são os ccubos e sexo é a única maneira deles fazerem isso as vezes.

—Eu sei disso, mas se acha que é o único perdido nessa história tá muito enganado.—Eu me sentei no sofá, Eros foi ao banheiro, então posso focar só nele.—Acordei em um mundo sem o Henry, ele era a minha estrela guia, era o seu pai quem era a luz no fim do túnel pra mim.

Dante se sentou ao meu lado, com o cigarro ainda aceso. Ouvir ele falar assim sobre o meu pai é tão estranho, tem alguma coisa que ele não me contou.

—O que o meu pai era de verdade pra você? E nem tenta se esquivar da pergunta, tá na hora de por as cartas na mesa.

Ele não me olhou, apenas encarava o chão. Estava prestes a xinga-lo quando finalmente abriu a boca.

—A gente se conheceu quando éramos crianças, viramos melhores amigos, vivíamos escapando pra nos ver e nos divertir juntos. Um dia, ele confessou que gostava de mim, e passamos a namorar as escondidas. Isso até o pai dele descobrir...—Ele tragou o cigarro e soltou um pouco de fumaça antes de continuar.—O pai dele era um escroto, não merecia ser chamado de anjo. O Henry levou uma surra e o velho mandou um esquadrão atrás de mim, os filhos da puta me arrancaram uma asa e ela não cresceu mais. Nunca mais nos vimos, não era seguro, seu pai se casou com uma amiga pra que ele pudesse fugir e os dois vieram parar aqui, eu até pensei em visitar ele, mas ai ouvi que tinham tido um filho e desisti.

Não consegui dizer mais nada. Era um choque muito grande, então ele tentou me dizer a verdade mas desistiu? Por que fazer isso? Não é como se fosse atrapalhar.

—Eu amava o seu pai, mas que tudo na minha vida, por isso eu não quis voltar, não quis foder a vida dele de novo. Mas no fim foi inevitável...

Consigo ver lágrimas rolando também em seus olhos.

—No fim eu estraguei tudo, como eu sempre faço.

E então ele desapareceu.

Tasteful DepravityOnde histórias criam vida. Descubra agora