ERROR INTERUM

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No silêncio sutil que antecede o desdobrar de um novo dia, quando o céu ainda parece hesitar entre as sombras da noite e o brilho da manhã, Rosamaria despertou. A luz tênue dos primeiros raios solares, qual pinceladas de ouro sobre um quadro em tom de cinza, filtrava-se pela persiana do quarto. Era um momento de transição, uma metáfora do próprio estado de alma de Rosamaria, que se encontrava entre o sono profundo e a realidade que começava a se delinear diante de seus olhos ainda sonolentos.
Ela se ergueu, desajeitada, do canto desconfortável da poltrona que servia de abrigo temporário, seu corpo ainda marcado pelo peso da noite não vivida. O ambiente ao seu redor, agora mais nítido à medida que os contornos do dia surgiam, revelava-se com um tom de familiaridade deslocada. Ali, no coração da manhã nascente, Rosamaria mergulhava em uma análise introspectiva, tentando compreender a complexa rede de circunstâncias que a levara até aquele ponto, e quem eram as figuras que preenchiam os vazios ao seu redor.
A contemplação foi interrompida pela chegada do café da manhã, um ritual diário que, embora rotineiro, carregava consigo a promessa de uma breve normalidade. Caroline, a outra alma presente naquele espaço, despertou com a habitual expressão de indiferença. Seu olhar, como uma tela em branco, parecia refletir a falta de entusiasmo pela presença de Rosamaria, como se a sua existência fosse um adendo desnecessário em um capítulo que deveria ser escrito apenas por sua própria mãe.
Rosamaria compreendia a natureza da relação entre ela e Caroline, uma relação marcada pela cordialidade fria e pela distante formalidade. Era um reconhecimento de que sua presença, para Caroline, muitas vezes era desprovida de importância. Contudo, Rosamaria era fiel às suas promessas, um traço de caráter que a definia. A firmeza com que se dedicava a cumprir suas palavras não permitia que ela se afastasse de Caroline, mesmo diante da frieza que recebia. Para Rosamaria, o compromisso era uma âncora, um princípio que transcendia a mera presença física.
Enquanto Caroline aceitou o café da manhã com um gesto de resignação, Rosamaria permaneceu ao seu lado, não pela expectativa de reciprocidade ou gratidão, mas pela convicção inabalável de que sua missão era ficar ali até que a mãe de Caroline estivesse presente para assumir o papel que lhe cabia. E assim, em um cenário onde a luz da manhã gradualmente transformava o ambiente e as relações interativas se desenrolavam em um ritmo calmo e resignado, Rosamaria mantinha-se fiel ao seu propósito, uma testemunha silenciosa de uma transição entre a presença e a ausência, o compromisso e a indiferença.

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ROSAMARIA MONTIBELLER ON

O sentimento de não ser bem-vinda, um intruso em um espaço que não me pertencia, invadia meu coração com a força de uma maré implacável. Não era uma questão de buscar a aceitação de Caroline; na verdade, eu estava além disso, alheia à sua aprovação ou desaprovação. O que me corroía era a sensação de estar fora de lugar, a estranha percepção de que minha presença era incômoda, quase indesejada. Era como se, ao estar ali, eu tivesse desviado o fluxo natural daquele espaço, como um dissonante em uma sinfonia.
O café servido, que compartilhava o mesmo espaço físico que eu, parecia um ritual vazio, sem o consolo que normalmente oferece. Minha única esperança era que a mãe de Caroline surgisse e me desse a saída que tanto ansiava. Havia um desejo quase desesperado de retornar ao conforto da minha casa, de tomar um banho que apagasse o suor e o sangue que impregnavam minha roupa, agora parecendo um luto de mim mesma. Meu blazer branco, pendurado na poltrona, havia se tornado um símbolo de tudo o que eu queria esquecer, manchado e irreparável, refletindo a desordem interna que eu tentava evitar.
O café, então, foi consumido em um silêncio que parecia pesado e imutável, como uma nuvem densa que se recusa a se dissipar. Mas, pela primeira vez, foi Carol quem rompeu essa quietude. Sua voz, inesperada, interrompeu o vácuo que nos envolvia, e naquele momento, a quebra do silêncio não foi apenas um alívio, mas também um sinal de que, apesar de tudo, havia uma tentativa de conexão, uma abertura para algo que poderia, de alguma forma, amenizar a sensação de estar deslocada.

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