A mata verde-negra cobria toda a região. Com a partida do sol, o mundo foi tingido por um tom azulado que, aos poucos, iria ceder lugar para a escuridão iminente. Entre pausas para coçar as pernas picadas por mosquitos, eles retornaram a caminhar ao som dos murmúrios da floresta e dos suspiros da brisa, que causava uma atmosfera aterrorizante para dois garotos em uma ilha deserta.
Catupi tinha as mãos nos bolsos na calça cargo branca, da mesma cor que sua regata que combinava com sua bota e seu cinto marrom. Seu olhar estava meio sem vida. Kyoto se agachou para pegar algo no chão. Agora ele tinha uma pedra preta na mão parecida com uma obsidiana negra.
— Os geólogos a chamam de pedra da morte, sabia? Minha prima que cursa geologia me disse uma vez.
— Hm. — Ela comprimiu os lábios num sorriso, tentando parecer interessada.
Eles continuaram andando lado a lado pelo caminho estreito que serpenteava pela vegetação exuberante da floresta dentro da ilha, ao som do farfalhar da folhagem e dos galhos sob os pés.
— O que foi? — perguntou o rapaz.
— O que foi o quê?
— Você parece absorta em seus pensamentos.
— É que eu... fico pensando, você... quase morreu hoje e a culpa é toda minha.
Ela, que normalmente sempre tinha o peito estufado, tinha os ombros caídos, se desnudando de sua armadura de intrepidez e bravura para ele com aquelas palavras.
Ele parou de andar e segurou os ombros dela com suas mãos.
— Catu... — Ele se aproximou. — Não foi sua...
Catupi o interrompeu.
— Tá, eu sei que...
Mas ele de repente pôs a mão na boca de Catupi, impedindo que ela continuasse a falar. Seu rosto se contraiu em uma expressão de alerta, as sobrancelhas franzidas.
— Ouviu isso?
Ela se atentou para conseguir escutar também, e conseguiu, em meio à respiração da floresta, ouviu um som leve, mas distinto, de galhos quebrando sob o peso de algo... ou alguém.
Kyoto soltou Catupi, e ela, num reflexo rápido, puxou uma faca da mochila, ficando em posição de defesa. Instintivamente, deu um passo à frente, protegendo Kyoto com o braço, como se seu corpo soubesse o que fazer antes mesmo de sua mente.
O coração deles, já acerelados, deram um salto quando uma figura escura emergiu das sombras.
Uma onça.
Sua pelagem negra era tanto magnífica quanto aterradora. Era uma criatura grande, com olhos amarelos brilhantes que pareciam perfurar a escuridão e presas afiadas que exalavam um tom de ameaça. A floresta parou de espalhar sua brisa gentil, como se prendesse a respiração, temendo a presença da fera.
O animal lentamente chegava perto dos garotos.
— Mais um medo pra tua lista, né? — comentou a garota.
A onça rosnou. Catupi puxou Kyoto, que tinha os olhos arregalados, e os dois se encostaram em uma árvore espessa. Ela ofegou antes de dizer:
— Onça não ataca de frente, não tira as costas daqui!
Ele afirmou com a cabeça de modo frenético.
— Qual a probabilidade da gente não morrer?
— 1% probabilidade, 99% fé.
O animal silvestre chegou perto, encarando-os, e foi aos poucos contornando a dupla. Eles o acompanharam, ficando sempre de frente para o bicho.
Ambos tinham os olhos arregalados, o medo manifestado em seus corpos, o coração bombeava sangue mais rápido. Kyoto tinha os braços pressionados sobre a barriga.
Ficaram ali por um tempo, mas enfim a onça se cansou, seus olhos amarelos brilhavam na penumbra da floresta antes dela virar e desaparecer entre as sombras.
Catupi murmurou:
— Aê, na moral, meu parceiro, vamo meter o pé, morô? Ativa a tua velocidade 5 do creu.
— Meter o pé aonde?
— Vamo sair daqui!
Kyoto confirmou com a cabeça, embora as sobrancelhas fortemente tensionadas não exalassem confiança.
Estavam indo embora em paz, pelo menos foi o que acharam.
Foi quando um vulto preto pulou da mata, era a onça outra vez.O instinto falou mais alto e não havia nenhuma árvore tão perto, então começaram uma corrida enérgica, prontos para escapar daquela ameaça.
Alguns galhos bateram em seus rostos no caminho, arranhando-os, mas não pararam de correr em nenhum momento. Correram muito até que chegaram a uma bifurcação, e Kyoto foi rápido em dar o comando:
— PARA ESQUERDA!
— TÁ! — confirmou Catupi.
Kyoto foi pelo caminho esquerdo e Catupi, confundida, pelo direito.
Haviam se separado, mas não era hora de voltar.
* * *
Catupi apertou os olhos, sentiu ódio por si mesma ao perceber que errou a direção, falhou em entender um simples comando.
Continuou correndo rápido, e ao atingir uma longa distância, parou e se escorou numa árvore. Agachada, bem escondida na mata, com uma faca na mão, aguardou a onça. Esperou e... Nada. O animal não veio, mas não conseguiu sentir alívio. Ficou ainda mais aflita porque aquilo significava que a onça foi pelo caminho que Kyoto escolheu.
Franziu o rosto e foi atrás de seu parceiro, o nervosismo quente que ardia em seu estomago ainda lá.
* * *
Havia outra bifurcação e Kyoto correu para o caminho à esquerda outra vez. Mas em meio à sua fuga, tropeçou e caiu em uma poça de lama formada pela tempestade. Era o momento perfeito para o animal atacar, a apenas um metro de distância de sua vítima. Na queda, o garoto machucou sua perna, o que fez um gemido de dor escapar de seus lábios.
Paralisado pela dor e pelo medo, não se levantou, permaneceu deitado com o tronco erguido pelos cotovelos apoiados no chão lamacento. Seus olhos, congelados de horror, ficaram vidrados no bicho, incapazes de desviar o olhar por mais que desejasse.
Tentou se afastar para trás com os braços, porém de nada adiantou, a onça agora a poucos centímetros de distância da perna do garoto.
Foi então que uma flecha foi disparada, fazendo com que o animal caísse no chão.
A flecha vinha de uma garota que surgiu da mata. Ele não sabia se sentia alívio ou mais medo, porque ela apontava um arco e flecha para ele.
Era alta, forte e seu rosto carregado de traços indígenas, assim como suas vestes. Surgiram mais duas garotas, todas armadas e com tinturas no corpo.
— Quem é você?! — disse de modo agressivo em um idioma indígena, o pitaguary.
Kyoto denotou seu não entendimento com sua face. Ficou calado, olhando-as com seus olhos súplices e uma respiração ofegante.
A mais alta chegou perto dele e pisou em seu peito de um jeito brusco, o fazendo deitar por completo.
A ponta da flecha roçou perigosamente seu pescoço enquanto ele implorava por piedade com o olhar. Seu coração, martelando no peito, parecia clamar o mesmo pedido desesperado por vida.
— Espera! — disse uma voz distante.
Era uma voz feminina, um tom sutil docemente agudo, era a voz de Lucy.
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Intrépida: a relíquia do inventor
ПриключенияHá dois anos, um ex-arqueólogo desvendou um enigma intrigante em um museu, deixado por um inventor famoso, sem suspeitar que isso desencadearia uma série de conflitos que mudariam vidas para sempre. Sua filha, Catupi Reis, uma garota intrépida de 1...