𝙲𝚊𝚙í𝚝𝚞𝚕𝚘 𝟹𝟻 ‒ 𝙾 𝚊𝚋𝚒𝚜𝚖𝚘

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— O que vamos fazer?! — indagou Catupi.

O carrinho de mina avançava sem piedade em direção ao precipício. O abismo se aproximava cada vez mais, um vazio que parecia engolir a luz da lanterna.

Catupi e Diego tiraram suas lanças e cavaram-nas na parede, na tentativa fracassada de deter a corrida fatal. As lanças arranharam a rocha, faíscas saltando ao contato, mas a velocidade do carrinho era implacável.

O precipício estava a apenas alguns metros. O coração de todos batia descompassado, o medo dominando seus rostos. De repente, os barulhos cessaram. O carrinho parou de repente na beirada, as rodas rangendo enquanto o veículo oscilava perigosamente, mas não avançou. 

Suspiraram de alívio, o carrinho ficou ali parado, mas antes que pudessem sequer entender o que havia acontecido, o carrinho deu um solavanco súbito, puxando todos para trás com uma força violenta, lançando-os de volta aos trilhos em uma nova direção, como se o próprio túnel estivesse brincando com suas vidas.

Depois do carrinho ter andado para trás, quando tornou a subir, tomou outro caminho e assim chegaram ao fim do trilho. Enfim parou.

— Acho que isso foi calculado pra dar um susto na gente — ofegou Catupi.

— Muito engenhoso — disse Diego, pensando na genialidade de Santoro Dupont, o inventor.

— Não gostei! — opinou Kyoto, arfando.

Desceram da vagoneta e caminharam mais um pouco, até chegarem a um abismo. Uma escada feita de corda e pedaços de madeira servia como uma ponte improvisada. Todos pararam a cerca de dois metros de distância.

Kyoto deu um passo à frente, mas Safra agarrou seu pescoço e o empurrou na direção de Catupi, fazendo os dois caírem no chão. Em seguida, Safra deu um soco em Diego, iniciando uma nova luta. Kyoto ergueu seu arco, enquanto Catupi empunhou sua lança, ambos prontos para o combate.

Em meio ao tumulto, Safra conseguiu alcançar a ponte, determinado a ser o único a atravessá-la. Enquanto isso, um dos capangas roubou a lança de Diego.

— Pai! — Catupi jogou sua lança. Diego a pegou.

Ela correu decidida a ir atrás de Safra.

Diego lutou com o capanga. Após alguns golpes, enganchou sua lança entre as pernas do capanga e o jogou no buraco do abismo. 

Restava apenas Safra.

A garota foi até o rival de seu pai, ambos se encontravam cara a cara em cima daquela corda,  em alerta.

A garota olhou para baixo e tornou a encará-lo. E em um suspiro de coragem, com o impulso de um pulo, ela se jogou para baixo intrepidamente.

Sua intenção era passar pelo largo espaçamento da escada de corda e assim ficar pendurada lá, e ocorreu como planejado. 

O que não foi de acordo com seus pensamentos foi o fato de Safra não ter caído, pois ele também se segurou na corda.
E lá estavam os dois, fixados em uma altura elevada sem tocar no chão, os dois pendurados, sustentando o peso de seus corpos com as mãos.

Nenhum deles podia pensar em soltar aquela corda ou então... morreriam.

Catupi, com as mãos já doloridas pelo atrito com a corda, não hesitou em chutar o homem para fazê-lo largar a corda. Ele resistiu.

Uma flecha disparou em Safra, e por pouco não o acertou. E Kyoto espremeu os olhos, porque aquela era a última flecha.

De repente, um som sibilante rompeu o silêncio sepulcral, ecoou nas paredes de pedra e enviou arrepios pela espinha de Catupi. Seus olhos se arregalaram na mesma hora, fixando-se na criatura à sua frente que acabara de emergir das sombras.

Ssssssss...

Era o som sinistro que ela tanto temia: o sibilo de uma cobra. 

A serpente, com seu corpo ondulante, estava posicionada do outro lado do penhasco, seus olhos fixos na garota enquanto rastejava pelo chão rochoso. 

Catupi sentiu seu coração acelerado gelar e inspirou ar tão fortemente que sua clavícula ficou ossuda.

— Não precisa ter medo, é uma boipeva, não é porque é uma cobra que ela vai te picar de novo — falou Safra, que contorcera o pescoço para olhar a cobra atrás dele. 

Mas as palavras de Safra caíram no vazio enquanto Catupi permanecia imóvel, incapaz de desviar o olhar de seu maior medo. 

A cobra, com sua pele escura adornada com detalhes brancos e olhos azulados penetrantes, parecia prender a garota em um trance hipnótico, como se a própria caverna tivesse ganhado vida para manifestar seus temores mais profundos.

Um calafrio percorreu seu corpo quando o animal fez um pequeno e ligeiro movimento para frente, onde Catupi pode jurar que ele ia pular em sua cara mesmo a um metro e meio de distância.

Safra, ao se aproveitar da fraqueza da garota, colocou a mão no bolso e de lá tirou uma faca. 

A garota tentou se afastar, mas antes que tivesse a chance, o oponente a atingiu feio acima da região da sobrancelha. Aquilo com certeza deixaria uma cicatriz.

— Agora você tá igualzinha a seu pai — Ele sorriu de satisfação.
Catupi não viu o sorriso, em um impulso colocou a mão esquerda na testa e se distraiu ao vê-la ensanguentada.

— CATU! VOLTA! — gritou Kyoto.
Ela olhou para frente, Safra já não estava mais lá, estava perto do solo.

A garota, com as mãos ainda segurando na corda, voltou em direção ao lado em que veio, já que era o mais próximo de chegar antes que Safra cortasse a corda.

Safra tinha a faca em suas mãos. 

Catupi estava perto.

Safra ergueu a mão e cortou a corda.

Catupi estendeu sua mão e se agarrou no solo rochoso, conseguindo chegar a tempo.
Não havia mais ponte.

O homem havia passado para o outro lado sozinho, e saiu de cena deixando um sorriso sombrio como última linguagem não verbal.

— É, vamos ter que pular — falou Catupi depois de ter ficado de pé.

E mesmo com a ameaça iminente do risco de cair no abismo, eles pularam.

...

— Você tá se tornando um rapaz corajoso, Kyo. — falou Catupi, baixinho, enquanto caminhava ao seu lado. 

— Espero que no final, os braços e pernas desse rapaz corajoso estejam inteiros.   

— Ótimo, mais um! — exclamou Diego, que andava mais a frente, ao se deparar com...

Outro abismo surgiu à frente, mas, desta vez, a travessia não era feita de cordas. Em vez disso, uma estreita ponte de rocha natural se estendia sobre o vazio, projetada de uma borda à outra.

A ponte parecia quase como se a própria caverna tivesse esculpido este caminho precário ao longo dos séculos, onde sua superfície irregular e desgastada não inspirava confiança. A rocha parecia instável, como se um único passo em falso pudesse desintegrá-la e precipitar qualquer um ao profundo e insondável abismo abaixo.

No entanto, a intrépida garota, outra vez com sua lança em mãos, não hesitou em pôr seu pé para atravessar.

— Catupi... — proferiu Diego em um tom baixo e receoso.

De repente surgiu Safra.

— Eu tava esperando por vocês!
Sua figura aterrorizante segurava uma enorme pedra. Catupi, o mais ligeiro que pode, tornou a andar de volta.

Safra chegou perto da ponte.

Catupi quase escorregou.

Safra levantou a pedra pesada.
Catupi estava perto de sair dali.
Safra jogou a pedra na ponte com toda a sua força e então...

A ponte se fragmentou antes de Catupi chegar o solo seguro.

Ela caiu no abismo.

Intrépida: a relíquia do inventorOnde histórias criam vida. Descubra agora