𝙲𝚊𝚙í𝚝𝚞𝚕𝚘 𝟾 ‒ 𝙾 𝚋𝚞𝚎𝚒𝚛𝚘

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Ela cerrou os dentes contra a dor excruciante e ardente que açoitou seu corpo, mas mesmo assim continuou a fugir.

Enfim, subiu as escadas e conseguiu chegar à janela.

Em meio aos pingos da chuva fraca que caía, viu Kyoto sentado no muro do andar térreo da casa, que tinha uns 2 metros e meio, com os olhos fechados e o rosto contraído de tensão.

— Por que cê tá aí? Era pra tu tá lá embaixo! — ela exclamou enquanto descia da janela, indo para o muro. Sua voz contraída tanto pela dor quanto pelo esforço físico.

— Eu tô com medo, ok!

— Vem, seu banana. — Ela agarrou a mão dele, e ele ficou de pé. — No 3! 1...

Foi quando viram 2 homens saindo pelo mesmo lugar, o que atingira Catupi e um outro.

— 3!

Catupi e Kyoto pularam do muro até o chão arenoso do interior.

— Ali, ali — disse um dos homens, apontando para os dois, e logo começaram a correr atrás deles. 

Começou então uma perseguição, banhada pela lua pálida e uma chuva fraca.

— CORRE MAIS RÁPIDO, KYOTO!

— EU VOU MORRER!

— NÃO VAI NÃO!

A adrenalina pulsava em suas veias enquanto eram perseguidos pelos 2 homens sombrios, cujas intenções permaneciam ocultas na escuridão da noite.

Catupi pulou uma cerca agilmente. Kyoto pulou também, desajeitado, enquanto os homens estavam cada vez mais próximos.

Seus corações martelavam no peito ao som dos passos rápidos, e o cheiro de terra molhada inundava o ar.

— Por aqui! — indicou Catupi um beco estreito.

Eles correram ainda mais velozes como sombras fugidias e avistaram um bueiro.

— Vamo entrar ali!

— O QUÊ?!

— Não! Nem com alguém ameaçando quebrar minhas pernas eu entraria aí, nem so...

Mas ela nem sequer deixou ele continuar, agarrou a mão dele e o fez entrar.

O buraco do bueiro era estreito, mas até Kyoto, que tinha o físico largo de uma ex criança gordinha que acabara de emagrecer, conseguiu passar.

A escuridão os envolveu como um manto. Permaneceram imóveis com a respiração entrecortada, e os corações batendo em uníssono na escuridão claustrofóbica do bueiro.

Depois de alguns segundos eternos de pura tensão dentro daquele lugar sujo, viram aqueles mesmos 2 homens o procurando.

E para o alívio dos garotos, eles passaram direto.

Poucos segundos depois, Catupi ouviu um ruido de papel sendo amassado, e ao olhar para o lado, descobriu ser de um saco de papel pardo que Kyoto estava respirando, um que ele havia acabado de tirar da mochila.

Catupi pensou em dizê-lo para guardar o saco e parar de fazer barulho, mas ele parecia estar tendo um crise de hiperventilação. Então tocou no ombro dele e sussurrou:

— Vamos ficar um tempinho aqui por segurança, beleza?

Kyoto deu uma pausa na respiração por meio da sacola e sussurrou, balançando a cabeça feito um louco e apertando os olhos:

— Okay... okay.  Mas o que foi aquilo?

A garota soltou um ar exausto.

— Eu não sei... pra ser sincera, não quero pensar nisso agora. — Ela se escorou na parede, mas se apressou em sair ao lembrar que estava em um bueiro.

O cheiro de umidade e esgoto brotou, fazendo o garoto engasgar. Então, com um forte sotaque britânico, comentou:

— Que cheiro abominoso!

— Sabe o cheiro de peixe morto?

— Hm?

— Parece que o elenco inteiro de “Procurando o Nemo” morreu aqui — usou o senso de humor descabido para esconder o grau de medo.

Mas aos poucos se acostumaram com o cheiro, a ponto de nem o notarem mais. E logo a chuva começou a aumentar e um vento gelado se alastrou pela rua.

Catupi apertou os olhos e tocou as suas costas, sentindo um líquido quente que contrastava com o ar frio escorrer.

Kyoto, guardou o saco e, com uma pressa frenética, tirou uma maleta de primeiros socorros da mochila.

— Ah, não foi nada demais, por sorte ele só arranhou em vez de cravar a faca — avisou Catupi, a agonia em sua face contrastando com as palavras.

— O que?! Mas foi grande e está sangrando!

Resignada, ela se virou e tirou sua camiseta verde rasgada para estancar o sangue, seus músculos pareceram mais definidos com a ação de erguer os braços. Mesmo com seu top esportivo preto, dava para ver a ferida feita pela lâmina.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Vai ficar uma cicatriz.

— Mais uma pra coleção.

Enquanto a chuva caía em uma torrente estridente, Kyoto, com cuidado, estancava o sangue com a camiseta de Catupi, mas não pôde deixar de reparar no desenho que ela tinha nas costas: um sol e uma lua entrelaçados. Era a primeira vez que via aquela tatuagem, ocultada até então pelas roupas que Catupi escolhia para enfrentar o frio persistente dos primeiros meses nos EUA.
 
— O que significa... a tatuagem?

— Celina Sol Maia, era o nome de uma grande mulher, cê sabe, minha mãe... Ela era o próprio sol, tá ligado? Tinha cabelos dourados e tava sempre com sorriso no rosto, eu amava muito ela... — contou com um sorriso nostálgico florescendo no rosto. — Meu pai é a lua, eles eram opostos, um completava o outro. Fiz a tatuagem em homenagem a eles; também gosto de pensar que simboliza equilíbrio.

Então Catupi, assim que Kyoto finalizou a limpeza da ferida, disse:

— Vem, vamo embora.

— Para onde?

— Pra casa do meu irmão.

— Sairemos nessa chuva? Parece perigoso.

— Parece divertido.

A chuva se engrandeceu ainda mais, o barulho da água no chão era alto e uma suave neblina deixava a gélida atmosfera aterrorizante.

A dupla continuou a caminhar até o destino, Catupi um pouco à frente, os braços abertos, olhos cerrados e o rosto sorridente voltado ao céu, deleitando a chuva.

Um relâmpago iluminou o céu negro, e Kyoto arregalou os olhos ao perceber que um trovão se aproximava, um medo profundo para ele.

O estrondo do trovão ecoou no céu, fazendo o garoto fechar os olhos e encolher os ombros.

Catupi, conhecendo seus medos, olhou para ele e, com um gesto reconfortante, segurou sua mão com firmeza. Juntos, correram de mãos unidas e enfim chegaram à casa de Calebe, um dos irmãos mais velhos da caçula. 

Catupi bateu à porta, suas 7 batidas características, 4 delas representando a letra "C" em código morse, e as outras 3 o "R", simplesmente porque ela achava divertido.

A porta se abriu e revelou Calebe, que exibia um mullet bem aparado, com cachos que contrastavam com o corte raspado dos lados. Sua pele era parda como a da sua irmã, e a regata preta dos Garotos Podres (uma banda nacional de rock punk) destacava os músculos de seu corpo esguio. 

Mas, em vez de um sorriso caloroso ao ver a irmã, ele franziu o cenho ao abrir a porta e disse as seguintes palavras em um tom ríspido:

— Você?! O que tu tá fazendo aqui? Tem coragem de vir aqui depois do que fez?!

Catupi sorriu com sarcasmo, virou o rosto e passou a língua nos dentes.

— Eu só preciso que...

— Que se foda! — o movimento de cabeça fez o brinco de caveira balançar. — Tu quer mesmo que eu te receba depois da merda que tu fez?
"Depois de matar nosso irmão?!"

Intrépida: a relíquia do inventorOnde histórias criam vida. Descubra agora