Capítulo Dois

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Finalmente chegamos à fazenda. Há algumas casas por perto, mas não tenho dúvidas de qual é a nossa. Um grande portão feito de metal escuro com diversos ornamentos decorativos se destaca, ladeado por dois pilares de pedra encimados por telhados de barro. Ao lado, há uma pequena porta de madeira que, sinceramente, acho insignificante, já que me parece impossível alguém vir andando até aqui.

Ao entrar, ainda temos uma pequena estrada para percorrer até chegar à casa. Parece improvável que eu ande tudo isso sem um carro ou minha Vespa. A estrada é ladeada por diversos pinheiros, muitas arvores e flores, e um pequeno lago também é visível ao longe.
Sei que a casa é considerada de "alto padrão", mas atualmente não parece estar em seu melhor estado. Na verdade, o maior motivo de termos vindo para cá é que meus tios não souberam administrar as finanças da fazenda e estão quase falindo. Meu pai conversou com eles e decidiu (por toda a família e sem perguntar, obviamente) que viríamos para cá para ajudar da melhor forma possível. Aparentemente, isso significa trabalho escravo, já que nem seremos pagos por isso.

Papai para o carro no estacionamento da fazenda. Na verdade, não sei dizer se é um estacionamento; é coberto, mas possui mais feno e terra do que o próprio chão. Eu saio do carro quase nas pontas dos pés para não sujar meus sapatos. Você pode pensar que foi futilidade usar sapatos caros para uma fazenda que está caindo aos pedaços, mas eu acho que devo sempre ser quem eu quero ser.

— Ahh, Marcos! Que bom que chegaram, irmão. Quando você disse que viria com toda a família, não sabia que tinha mais uma filha! — diz meu tio Marlon enquanto manda uma piscadela para minha madrasta. Eu franzi o nariz e estreitei os olhos para a cena que acabei de ver, dando um passo para trás para tentar afastar a repulsa que senti.

— Claro, porque uma namorada com quase a idade da filha foi uma ótima ideia... — murmuro mais para mim mesma do que para qualquer pessoa, mas acredito que tenham ouvido, já que meu pai está me dando o olhar de desprezo que ele faz quando não gosta de algo que eu faço.

— Esta é minha nova namorada, Marlon. O nome dela é Lidia. — comenta meu pai, pigarreando após me encarar.

— Muito prazer, Marlon! Ouvi falar muito bem de você, o irmãozinho mais novo que desistiu de trabalhar com o pai e se aventurou sozinho para ter sua própria fazenda longe da cidade... e da maioria dos parentes também — Lidia comenta com o tom de sedução que ela sempre usa quando acha um cara bonito. Incrível que geralmente eles têm o dobro da sua idade. Acredito que ela tenha um daddy issues fortíssimo para sempre querer um velho em cima dela.

— Ah sim, ele realmente é incrível, Lidia, muito experiente em trabalhos utilizando as mãos — meu irmão diz sorrindo com deboche para o jeito que Lidia está se comportando. Meu pai provavelmente não percebe isso, mas eu e meu irmão com certeza notamos. Eu sorrio sarcasticamente olhando para baixo e vou até ele para ficar ao seu lado, me enganchando a ele enquanto caminhamos até nosso tio.

— Não deixa de ser verdade, querido sobrinho! — meu tio ri de tudo isso como se ele também não tivesse notado a presença de Lidia, e ela se afasta de nós como se fôssemos contagiosos. Sério, eu não sei o que meu pai viu nela. Ela deve ter plásticas até na vagina. O cabelo escuro está sempre em um penteado diferente, ela possui a pele bronzeada e os olhos marrons, mas usa bastante lente cor hazel. Não a acho feia, só não é bonita como eu.

— Ah, aqui está a beleza de nossa família. Infelizmente, todos tivemos a má sorte de sermos tão básicos e parecidos uns com os outros, mas não é o caso do nosso sol — tio Marlon me puxa para um abraço, fazendo com que eu escorregue um pouco e quase caia para trás no chão nojento com todo aquele barro. Instintivamente, coloco meus braços para trás, mas alguém me segura pela cintura. Viro-me e vejo uma garota com aproximadamente a minha idade sorrindo também. Retorno o abraço ao tio Marlon, que retribui pedindo desculpas pelo incidente anterior.

— Eu posso ser bonita, mas todos nós somos. Não acredito que tenha algum Bellini que realmente não seja bonito — digo sorrindo. O que eu disse é verdade. Toda nossa família tem os olhos azuis, o cabelo loiro. Nenhum possui o meu tom, mas todos possuem a cor. Até mesmo com alguns cabelos brancos, meu pai e tio Marlon possuem o charme da família Bellini. É compreensível o sobrenome, já que significa belos.

— Adorei seu cabelo! Ele parece ser tão macio e cheiroso... — a garota que me segurou comenta sorrindo para mim e Higor, quase como se fosse pular em cima de nós para poder ver se isso é realmente verdade.

— Maria, esse é seu primo Higor e sua prima Helena. Vocês se conheceram quando mais novas, mas como eram todos muito novos, acredito que não se lembrem... Helena, Higor, essa é Maria, minha filha. Ela tem sua idade! — ele diz referindo-se a mim. Sorrio o mais verdadeiramente possível por talvez ter alguém da minha idade para poder conversar enquanto estiver nesse fim de mundo.

Enquanto eu tentava afastar esses pensamentos, meu pai, que observava a interação com um sorriso distante, se virou para Marlon.

— Onde está Viviane? — ele perguntou, interrompendo Maria quando ela ia aparentemente retrucar meu irmão. Eu não me lembro de nenhum deles. Eu vim aqui antes de minha mãe partir e agora terei que morar com esses três que são como desconhecidos para mim. Isso parece um pesadelo. Me belisco até ficar vermelho para tentar acordar.

— Ah, ela está nos estábulos... — Marlon diz coçando a nuca como se estivesse envergonhado. — Uma de nossas éguas está em trabalho de parto e ela está ajudando. — ele ri enquanto mostra o caminho para nós. — Vamos até lá, talvez vocês possam ajudar também!

Meu Deus, eu só posso estar em um pesadelo mesmo. Eu vou ajudar uma égua a parir? Onde eu vim parar?!

Amor e Maldição - Um reconto inspirado na lenda do Corpo SecoOnde histórias criam vida. Descubra agora